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Taubaté desde Aldeia Alta


Crônica
Em 1636, vinha para estas bandas o Capitão Jacques Félix, com a missão de povoar estas terras. Muitos nomes também a povoaram. Itaboaté, Taboaté, Tahubaté, Tabebaté, paragem de Tabebaté. Em 1645, quando de sua elevação à vila e com a bênção dos franciscanos que vieram com Jacques Félix da Aldeia de S. Paulo, adota como orago, como padroeiro, S. Francisco das Chagas e seu nome começa a definir-se. São Francisco das Chagas de Taubaté. Para o nome atual alguns séculos e muita história. Em 1842 a vila torna-se cidade. Taubaté.
De Taubaté, bandeiras e bandeirantes irradiaram por sertões brasis domando tropas e índios. Das tropas tornaram-se senhores. Dos índios companheiros. Descobriram minas nas terras gerais onde abundavam o ouro e a riqueza do nosso chão. Ajudaram por aquelas bandas a construir um celeiro cultural com histórias e tradições do melhor quilate. Com paciência e perseverança, muita ganância também deveria haver, fincaram em terras mineiras, goianas, paulistas e doutros sertões a fibra de um povo desbravador, mas que também valorizava a história. Por onde andaram Taubateanos, sobraram, com sobeja, rastros de valores culturais. Também sobrou sangue, escravos maltratados e medos demais de outros povos. Pudera… Nada sobrevive quando se tem somente um lado.
Taubaté, de tantos lados e facetas, desponta agora para o século XXI, bem por sobre a serra como sol ensolarado em manhã de primavera florida. Desta Aldeia Alta, Taubaté, passemos vistas rápidas por uma faceta da história. Antigas aldeias se modernizaram, tornaram-se metrópoles, absorveram o que a tecnologia e o progresso ofereciam, mas deixaram-se perder a si próprias. Suas próprias histórias. A história que podia lhes conferir uma identidade. Outras tantas cultuaram suas tradições, arrodearam-se em si mesmas, temeram mirar longe os seus olhos e não conseguiram conviver em paz com a tecnologia e com o progresso. Perderam-se no tempo e no espaço. Taubaté, pela índole bandeirante pulsante em suas veias e por ter tido ao longo da sua infância, um povo cultivador da saudade, por estar mais em andanças e aventuras de desbravamentos, diferencia-se no percurso da história e se apresenta, hoje, evoluída, metrópole, desenvolvida e estruturada para acolher e estimular a tecnologia, o desenvolvimento e os avanços da modernidade, sem, contudo, ter deixado perder a sua história, suas tradições, suas raízes.
Dos franciscanos herdamos a devoção a Francisco. O Santo ecológico. E foi numa igreja franciscana, o Convento de Santa Clara, que Maria da Conceição Frutuoso Barbosa, nascida em 1o de novembro de 1866, no Bairro de Santa Luzia, iniciou o percurso de uma tradição secular para Taubaté. Certo dia, indo à missa pela manhã, como era de seu costume, encontrou operários juntando os cacos da imagem da Virgem Imaculada, que quebraram por acaso e cuidavam para dar fim nos restos, como era recomendado pelos costumes e convicções. Maria consegue autorização do frei guardião da igreja para levar a imagem para sua casa e tentar recuperá-la. Maria era aleijada, mas fez um trabalho de restauração, com argila, magnífico. Aquela imagem pode, ainda hoje, ser venerada e admirada no altar da capela de Nossa Senhora da Conceição. Mudou-se Maria Frutuoso para o alto de São João, hoje Rua da Imaculada Conceição e dali nascem, para nosso orgulho, as figureiras da Rua Imaculada de Taubaté. Um dos aprendizes da fazedura de figuras em argila foi o afilhado de batismo de sua irmã Bárbara, que não saia da sua casa, o Sr. Narcizo Alves dos Santos. Narcizo cresce fazendo arte em argila. Casa-se com D. Maria José Ferreira Santos, mais tarde Vó Maria. Nascem Maria Edith Alves Santos, Maria Luíza Santos Vieira, Maria Cândida Santos e José Domingos Santos. Daí as três irmãs figureiras. Edith, em 13 de setembro de 1936, já com nove anos de idade, ao voltar da escola não encontrou mais em sua casa D. Maria da Conceição. Havia sido levada para Santo Ângelo, SP, para ser internada. Teria lepra. Desmentido mais tarde. Naquele mesmo dia, o senhor Narcizo havia trazido um bolo de argila prá casa. Sina? Ia-se D. Maria da Conceição e nascia, modelando um galinho caipira, a primeira das três irmãs figureiras. Essas irmãs preservaram e deixam como herança uma história, uma tradição, uma lenda viva. Seus sobrinhos, de fato ou de encanto, aprendem, preparam-se para perpetuar a história, com o toque, as cores, os traços e os encantos que passam, já há décadas, de boca em boca, de mão em mão, de alma para alma …
Mas… Taubaté é muito mais…
De uma cidade com vocação agrícola, e tão devota a costumes e tradições, vieram muitas outras tantas belas manifestações de valores populares. Dança de S. Gonçalo, Congada, Jongo, Moçambique, Folia de Reis, dança da fita, do balaio, catiras, desafios, violeiros e… Ah! A culinária! Desde a bundinha de tanajura, a famosa içá torrada, que Lobato elogiava tanto até quitutes e rosquinhas que não deviam nada absolutamente a ninguém.
Terra de Lobato, Mazzaropi e tantos outros.
Mas aí Taubaté começa a fazer diferença nesse brasilzão de grandeza tanta. Tinha cultura para esbanjar. Preservou, cultivou, valorizou suas tradições. Mas num ficou só nisso não. Em 1891 era instalada nessa terra a Companhia Taubaté Industrial, a CTI. A maior fábrica de tecidos da América Latina. A CTI vinha como que acenando para um bandeirantismo urbano. Convidando para o progresso, para o desenvolvimento e para a modernidade. O espírito bandeirante do Taubateano num regateou não. Taubaté começa a progredir… A diferença? Progresso sem massacre à cultura, às tradições. Enquanto dava um passo para o futuro, fincava no chão um parmo de suas tradições e princípios populares.
Taubaté tem Universidade. Formal e informal. Tem escola com mestres, doutores e professores da melhor estirpe. Mas tem mestres em artes populares. Espalham-se por aí na informalidade do cotidiano, semeando estórias e plantando a semente da preservação. Nos dias de hoje é missão das prioritárias. A globalização veio para nos mostrar a importância do regional. E nós, Taubateanos por adoção ou nascimento, estamos, outra vez, escrevendo uma parte bonita da história.
Dia desses, vou lhes contar, andava divagando, apesar das pressas do progresso, ali por perto das velhas mangueiras do Sítio do Pica-pau Amarelo. Já passava da jaqueira quando recuei, pois escutei uma conversa que me causou estranheza. Prestei sentido, espiei, e vi. Lá em cima acocorados numa prosa de dá gosto. Parecia até conversa de pescador na beira de rio de domingo. Mas era dia de semana. Por aqui os feriados e a tecnologia se misturam numa combinação cordial. Tecnologia e folclore por aqui é coisa viva, de todo dia. Se prestá sentido é batata… Tá lá tudinho pra sê apreciado. Ô gente até me esqueci. Sabe quem tava lá em riba da jaqueira do Lobato? Numa prosa só? Falando que nem matraca de tempo de quaresma? Vejam só! O Saci e a Cuca. Ainda peguei uns restôi da prosa. O Saci tava bravo com a cuca, pois ela num entedia porque o povo de Taubaté era assim um povo danado de bão. Quem era nascido aqui vá lá, resmungava a Cuca… Mas quem evinha de outras parte também era bão demais da conta.
O Saci, eu percebi bem, já meio sem paciência tinha até dado conta da minha presença. Baforava o seu cachimbo e com ares de filósofo sentenciou: ___Ô Cuca eu num güento mais ficá lhe explicando as coisa… É a última vez, viu? Presta sentido… Quando há mais de três séculos pra trás armaram a primeira posada por aqui, eu tenho certeza que foi lá no Morro do Convento de Santa Clara. __ Ora, por quê? __ Foi lá, eu sei, e pronto. Ocê já num tá entendendo desse pouco dirá se eu for te contar história. Presta atenção, é a última vez. Foi lá e pronto. Foi de lá que saiu o nosso nome, Taubaté, Aldeia Alta.
Mas isso foi passado. Quero te contar de outra coisa. _Conta Saci, ocê ta é me enrolando. _Óia, eu já pito cachimbo é porque nem cigarro de paia eu tenho paciência pra enrolar, dirá o resto que nem é pra meus prazê… Cuca escuta. Quando fizeram aquela estátua grande do Cristo lá no alto de São Pedro, lá onde fica a Igreja da Imaculada, eu num sei bem qual foi as intenção, mas dia desses, já de era bem passada, passeando pelo Reino das Águas Claras ouvi o patrão docêis, o Sô Lobato, explicando pro Mazzaropi porque que aqui em Taubaté só fica gente boa. Dizia ele que o Cristo tá lá no arto da aldeia de braços abertos pra abraçar todo mundo, mas, e aí, presta atenção, ele dizia: “só que quem num tiver boa intenção com essa terra e com a nossa gente o próprio Cristo que tá lá pra acolher, também tá mostrando que se num quiserem ficar é só tomar a estrada que passa bem nos seus pé, a Dutra. E ele indica, se num quiser ir pra direita, pra São Paulo, pode ir mesmo pras esquerda, pro Rio de Janeiro”.
O saci olhou pra mim, deu uma piscadela e sumiu no alto da jaqueira. Ia descansar com certeza… A cuca…

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