Categoria : Crônicas

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O Jardineiro

Crônica 

foto Gilberto Rodrigues

Os pássaros arrulham sob a janela e o sol, sonolento ainda, deixa seus raios escapulirem por entre as brumas de orvalho da madrugada. Fria. Enevoada. Um cheiro de café fresco exala casa afora e a brisa fria da manhã busca aconchego na quentura da casa entrando sorrateira pela porta entreaberta. Ele vem espreguiçando, pega a caneca de café e vai até a porta como se fosse saudar o dia. Mas fica ali a balbuciar _ As manhãs daqui não são como as de Santo Amaro do Camapuã. Êta saudade de Minas Gerais

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O Pianista

promocaolitoraljazz.blogspot.com

Crônica

As luzes ainda não haviam sido todas acesas. O silêncio perambulava por entre as poltronas a espera de quem viesse lhe acompanhar, quebrar-lhe, para seu regozijo enaltecer-lhe os predicados, deslumbrar as sonoridades da melodia. O silêncio seria tão reverenciado quanto à canção e ele, o silêncio, sabia disso. As portas ainda fechadas faziam crescer o burburinho daqueles que esperavam calma e civilizadamente para ocuparem os seus lugares.

As pessoas vão entrando e num chegar de reverência ocupam, uma a uma, seus assentos. E esperam. Buscam posições pelas razões aparentemente incompreensíveis para um observador,

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7 dias de castigo

Crônica

(c) Tomado de http://data1.blog.deEstou a menos de quatro anos de tornar-me um sexagenário. Já estou pelas abas da proteção da lei do idoso. A qual não posso recorrer agora, apesar da minha indignação. Não tenho lá muitos cabelos brancos, ainda, mas os poucos que escorrem entre tantos outros me fazem lembrar já longínquos tempos, relembrar estripulias, paixões, lugares e comportamentos. Achava eu (quem mandou achar? – De achar morreu um burro, diria meu pai) encontrar-me já livre da possibilidade de ser submetido a muitas coisas que eram até comuns na infância, até na adolescência, como ficar de castigo, por exemplo. Só achava, pois estou de castigo. Sete dias. É isso mesmo! Sete dias de castigo. Impedido de buscar amigos novos, de relacionar-me, de ampliar meus relacionamentos, rever velhas e saudosas relembranças… Não sei descrever o que estou sentindo. Vergonha? Constrangimento? Sinto-me humilhado? Um pouco de tudo isso. É estranha essa sensação porque talvez não me imaginasse mais sendo posto de castigo. Ainda mais de uma forma tão fria, brusca e insensível. Mas não para aí: não tenho a quem recorrer. Não há a quem possa levar minhas razões, meus argumentos, minhas justificativas. Estou totalmente impotente, vendo-me sem alternativas, além de cumprir a sentença anunciada. Que coisa mais absurda! Como alguém ousa tanto: você está de castigo e pronto. Tamanho autoritarismo faria morrer de inveja o mais cruel dos ditadores, a esposa mais enciumada, o marido mais culpado e até o adolescente que acabou de vestir suas primeiras calças compridas. Ah, e tem mais: há um complemento no enunciado do castigo: se você não for obediente este tempo poderá ser aumentado. Isso é ameaça! Imagina… Estou sendo castigado, ameaçado, tendo meu direito de defesa cerceado e não posso fazer absolutamente nada. Agora, em pleno século XXI isto acontece, assim, sem cerimônias, comigo, cidadão honesto, honrado, impostos recolhidos, contas em dia,  trabalhador, estudioso… Não adianta greve de fome, convocar um bando de desocupados para solidarizarem-se comigo numa barricada, fazer um abaixo-assinado, invadir o palácio da rainha, nada, nada há o que possa ser feito. Estou condenado irremediavelmente, e sem direito de defesa, ao meu castigo.
Porém, não é a indignação do castigo de sete dias o que me causa espécie. É o estarrecimento quanto ao que nos acontece. Seria isso argumento de alguém que já passou dos cinqüenta? Espero que não.
Eu tenho amigos de longa data espalhados por este país. Já fiz andanças pelo mundo da viola, conheci violeiros, cantadores, e apreciadores chãos afora. Além de tudo isso carrego muitos preconceitos, alguns mais radicais, outros mais brandos, mas preconceitos. E sempre ouvi dizer que isso não dá certo, que não é politicamente correto, então sempre tento rever meus conceitos e ir me acertando no cotidiano que está aí pra ser vivido. Tempos atrás, tempo pouco, apareceu no nosso meio esse tal de face book. Garrei com meus preconceitos: isso é coisa de desocupado, de quem não tem o que fazer, só tem bobagem, é só fofoca, fica todo mundo se expondo e o resto fica de curioso sobre as exposições alheias. Eu? Adicionar você? Não sei o que é isso e nem quero saber. Vê lá se alguém com minha cultura, meu nível social, meu reconhecimento profissional vai estar vinculado a esse tipo de coisa? Então, até para não ficar tão fora do mundo “eletronizado” resolvi montar um blog. Vou postar lá meus poemas, minhas resenhas, artigos, entrevistas, crônicas, fotografias, etc. Analfabeto que sou, chamei um colega pra me dar uma mãozinha. Veio. Viu. Gostou do que viu e sugeriu: por que você não abre uma página no face book? Vai ajudar você a divulgar seu trabalho, seu blog. Eu? Nem pensar! E já desfiei meus argumentos… Ele, pacientemente, deixou-me terminar todos aqueles absurdos e disse-me: olha o face é apenas uma ferramenta. Se vai ser algo produtivo ou fútil, para fofocas ou para trocas de idéias, se vai ser sério ou não, vai depender de quem o usará. Calei-me. Quanta asneira havia sustentado com ares de sabedoria e profundo conhecimento. Abri minha página no face.  Comi melado. Lambuzei-me inteiro. Vi ali pessoas incríveis. Adicionaram-me pessoas da maior importância do mundo das letras, das ciências jurídicas, da psicanálise, da psicologia, da música, da moda de viola, parentes e amigos de outrora. Estava encantado. E envergonhado. Quanto preconceito idiota. Aliás, todo preconceito é idiota. Fui adicionar mais pessoas. Era de uma riqueza aquele mundo que me vi criança solta para o mundo pela primeira vez. Veio o primeiro aviso: Só adicione se conhecer, pessoalmente. Já havia adicionado muitos que não conhecia pessoalmente, mas não era o caso. Esse eu conhecia pessoalmente. Não sei se não fui reconhecido, mas como era pra eu tentar: tentei. Afinal o conhecia. Outro aviso… Terceiro aviso – lembrei-me de minha mãe: não vou falar de novo. Tentei. Mensagem: você, por sete dias, não poderá adicionar mais ninguém e se alguém disser que não te conhece este tempo poderá ser aumentado. Mais nada. Pronto. Estou eu de castigo.
Aproveito esse tempo para refletir um pouco. Às vezes me meto a embrenhar-me pelos meandros da reflexão.  Ficar de castigo no face não chega a ser algo que me incomoda. Afinal, coagido à obediência, cumpro minha pena até o próximo final de semana. Mas, e isto chega a vias de tirar-me o sono, surgiu deste pequeno e aparentemente insignificante incidente uma questão: daqui a alguns anos – décadas parecem-me já coisa longe para as evoluções da informática – o que será que a máquina estará controlando em nossas vidas? Que penalidades estarão as máquinas me impondo sem dar-me oportunidade para recursos ou contra argumentos?  Afinal o Grande Irmão deixou o mundo da ficção. Ele “zela e observa todos nós”. Tenho medo. Muito medo de que de fato a máquina, em futuro próximo, ou já num presente que ignoro se sobreponha sobre nossas ações, sobre até mesmo nossos pensamentos. Lembro-me dos meus tempos de seminário onde os pecados do pensamento também deveriam ser confessados. E o pior é que estes recebiam as penitências mais contundentes. Voltando ao castigo: Cumprirei este castigo imposto pelo face mas atento aos cochichos que as máquinas já andam fazendo pelas esquinas, de soslaio, de esguelha em nossas casas, nos cantos das escolas, nas sacristias das igrejas. Não temo errar, mas gostaria de poder estar contando com uma possibilidade de mostrar minhas razões, minhas intenções e meu coração. Meu coração ainda não é de lata e não tenho chips implantado em meu cérebro. Vou parar… Meu PC está emitindo um ruído estranho. Não sei decifrar esta mensagem. Desligo. Não quero ser castigado por outro viés da minha ignorância.

Taubaté, SP, 06 de novembro de 2011  

Nota: Foto retirada de: (c) Tomado de http://data1.blog.de

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Ensina-me a comer!

foto Gilberto Rodrigues

Crônica

 

Acabei de sair do consultório da minha nutricionista. Ufa! Que alívio. Por quê? Há tempos fugia dela. Quanto arrependimento! Há cinco meses tive uma “complicação” cardíaca, fui pro hospital, fiz cateterismo, meu irmão avisou meus familiares e dois dias depois saí. Eu estava bem. Os exames me liberaram. Aliás, esses exames! Mas aí começou um patrulhamento implacável e com certeza bem orquestrado, para não me deixar com dúvida alguma sobre o que eu deveria fazer daí em diante. O cardiologista disse que eu deveria perder 40 quilos. Meus filhos que eu não poderia mais beber. O amigo que eu deveria matricular-me na academia. Minha mãe preocupava-se se eu ainda fumava ou se havia parado. Meus irmãos que eu tinha que mudar meus hábitos alimentares. Minha ajudante aqui de casa que eu deveria dormir mais. Minha namorada que eu deveria tirar férias e trabalhar menos. Minha chefa na escola onde dou aulas que eu deveria descansar porque o cansaço afeta a memória. E eu acuado não sabia o que fazer, mas sabia que tinha que fazer alguma coisa porque qualquer coisa que me ocorresse doravante, até mesmo um óbito, seria de inteira responsabilidade da minha displicência. Eu parei de fumar, diminuí a ingestão alcoólica, matriculei-me na academia, aumentei as folhas do almoço, colori a salada, comprei mais algumas frutas e… Nossa! Quanto sacrifício. Acho que já dá pra perceber que estou me empenhando. Que nada.

E a nutricionista, já marcou? Já foi a nutricionista? Quer que eu marque a nutricionista? Eu já falei com minha nutricionista e ela está te esperando… Eu escapava: Vou marcar. Estou arrumando umas coisas óbvias antes… Deixa-me parar de fumar primeiro… Espera pra eu me adaptar a ausência do álcool… Mas, em vão. E tudo de novo: E a nutricionista, já marcou? … Vou poupá-lo caro leitor, não quero que passe pelo que passei. Uma repetição interminável. E tudo para o meu bem. Era por amor, eu sei, mas repetiam. Nunca me senti tão amado.

E lá vem o destino fazer coro aos meus amores. Num posto de gasolina encontro-me desavisadamente com a nutricionista. Puxou-me as orelhas e ali mesmo já teve início a sedução: Agora é diferente,os conceitos mudaram, etc. etc. etc. Eu lhe falei de minhas tentativas fracassadas de agendamento, expliquei, justifiquei, disse-lhe que estava me acertando, que estava bem, mas de nada adiantaram meus argumentos. Dê-me seu telefone, ela disse. Agora danou-se, pensei.

Fui para casa injuriado. Já conhecia aquela nutricionista de outros tempos. À noite sonhei com calorias, tropecei na balança, me enrosquei na fita métrica e vi um prato de verduras com um bife grelhado acenando pra mim… Por outro lado alfaces me perseguiam, torresmos debochavam de mim, os ingredientes da feijoada faziam orgia sobre a mesa, a leitoa a pururuca ameaçava sair do forno, minhas cachaças comemoravam sem mim, as latinhas de cerveja batucavam em festa.  Se veriam livres do meu apetite.

Alô!Sim , entendi, estou indo. E num é que ela arrumou um buraco na agenda dela pra mim. Fui. Não fosse pra ver. Duas horas e meia de consulta. Que arrependimento por não ter ido antes, por ter relutado tanto. O conceito de dieta mudara mesmo. Se eu comer tudo e na quantidade que ela sugeriu com certeza vou engordar. Certifiquei-me se ela havia compreendido bem que eu deveria emagrecer e não engordar. Ela garantiu-me que sim. Vou ter uma ração diária maior, mais saborosa e mais saudável que aquela que vinha tendo há anos. A não ser nas extravagâncias regadas a uma boa cachaça e cerveja gelada. E ela, pacientemente, explicava-me: engordamos porque comemos pouco e então nosso organismo precisa guardar o máximo possível de nutrientes para dar conta de nossas atividades, da nossa sobrevivência. Emagreceremos se comermos bem e de forma saudável, pois assim o nosso organismo sinalizará para o nosso cérebro informando-lhe que não precisa guardar nada, não precisa fazer estoques, pois o estamos abastecendo sempre e corretamente. Pensei comigo: tem lógica. Faz sentido.

Comecei hoje minha dieta. Ela disse-me que se a seguir certinho em seis meses pesarei vinte quilos a menos. Mas eu confesso: não é nem pelos vinte quilos a menos que me empenharei. O coro dos que me gostam me venceu e convenceu. E eu quero continuar me sentindo gostado, mas sem aquele patrulhamento. Meu coração também é muito grato. Vou ser um ser saudável, sem me preocupar com calorias… Isso não é inacreditável!

Tbt, 20/10/2011

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A Arte em desabrigo

 Crônica

 

Escultura do Jeca Tatu feita em nov/99, pelos escultores Raymundo Ribeiro, Aristeu Monteiro e Marcos Gomes localizada na Praça Dr Barbosa de Oliveira, Taubaté, SP, e está sendo carcomida pelo tempo devido ao descuido das autoridades públicas que não cuidam do que está relacionado à arte. Cuidar da arte e da cultura não gera dividendos financeiros nem eleitoreiros. Conscientiza e pessoas conscientes não interessam a quem só quer o poder. Foto Gilberto Rodrigues

É o começo de uma tarde de sábado. Ensolarada. Ainda é primavera, tempo ameno, saudável. A quentura não é incômoda. Fico pensando… Além dos shoppings centers, para onde podemos convidar alguém para assistir a um filme? Para os cinemas seria a resposta óbvia se todos eles não tivessem se transformado em templos de igrejas protestantes. Mas o que me leva, em plena tarde de sábado, a questionar uma coisa já tão sabida? Tão óbvia?

Explico. É que acabei de voltar da cidade de Pindamonhangaba, onde fui ver o que aproveitava do espólio da biblioteca da Faculdade de Música da cidade. É isto mesmo. A Faculdade fechou e sua biblioteca está aberta para quem quiser ir até lá e comprar o que lhe parecer interessante. Livros de história da música a 10,00. CDs a 1,00. Não questiono as razões que levaram ao fechamento da Faculdade. Enquanto escrevo escuto Mário de Andrade cantado por Teca Calazans. Ouço José Maurício Nunes Garcia, Maura Moreira, Pixinguinha, Villa-Lobos, Patápio Silva, Luizinho Eça. Estavam lá… Para serem levados, para liberar o espaço do que fora um dia uma biblioteca de uma Faculdade de Música.
A cena é esquisita. Para quem é acostumado ao silêncio, à ordem, ao cuidado que se tem em uma biblioteca é muito estranho ver aquela desordem, aquele mundo onde cada qual trata com indiferença o que não lhe interessa levar. Aquela deferência aos livros que sempre teve quem neles aprendeu alguma coisa, ou muita coisa, ou tudo o que sabe, ou com eles viajou mundos reais, imaginários ou simbólicos, ali não existia. Quisera levar tudo, todos. Levá-los para cuidar deles. Trouxe alguns. Espero que cuide dos outros, quem os levou.
Fico pensando na superficialidade com que o mundo tem tratado o que é profundo. A música é algo profundo. Toda Arte é profunda. Parece que não há mais tempo para que as coisas profundas do mundo, da vida, sejam curtidas, maturem, descansem para depois florescerem, desabrocharem, penderem em frutos e produzir sementes donde desabrochará algo novo. E com potenciais de profundidade. A superficialidade fugaz de cada coisa, a descartabilidade de todas as coisas, parece-me, torna-se mais atraente, mais interessante além de não causar incômodo algum se perdidas, afinal o que valem mesmo? Nada. Uma biblioteca, livros, discos, filmes, quadros, ilustrações, artesanatos, esculturas, provocam reflexões, discussões, dúvidas. Respondem nunca nada. E isso é encantador, é fascinante. Sedutor. Seria essa a razão de seu desaparecimento? Não querem mais os moços e as moças destes tempos pensar, ficar em dúvidas, refletir? Será que é saudosismo piegas lamentar o fechamento de uma biblioteca? E olhe que não é uma biblioteca qualquer – é a biblioteca de uma Faculdade de Música! Pieguice ou não, lamento sim o fechamento de tantas das nossas salas de cinema, de nossos clubes de leitura, de bibliotecas.
Continuo a pensar… Livros cada vez mais cansam. Ler cada vez mais é incômodo, dizem quem nunca leu um clássico – Érico Veríssimo, Drummond, Victor Hugo, Cecília Meireles, Euclides da Cunha, João Cabral de Mello Neto, Bandeira, Gullar, Mario de Andrade, etc. Ouvir músicas está cada vez mais démodé – sim, ouvir música como atividade principal, com a veneração que ela pede, quando você fica ali, naquele lugar, só para ouvir, apreciar, degustar, saborear – e não música como um barulho qualquer enquanto se desvencilha uma atividade qualquer, para um resultado qualquer. Como será vista hoje uma pessoa que disser que deseja fazer uma faculdade de música? Será que com os mesmos olhos com os quais se olharia alguém que desejasse fazer medicina, direito, engenharia, ou outra que tem uma promessa de emprego certo e um bom salário já mesmo antes do seu término?

... assim os livros estavam lá, esperando quem os quisesse levar...

Há algo errado. Onde? O que está errado? A literatura hoje é lida em resumos de clássicos. Estes não servem nem para segurar a porta aos ventos, pois dão traça. Nem para enfeitar estantes, pois não são olhados como algo que enfeita, mas como algo que junta pó, dá alergia. Qual é o lugar que reserva o mundo de hoje para os artistas? – pintores, poetas, músicos, escritores, ilustradores, artesãos, escultores e outros fazedores de Arte. – Naturalmente falo dos bons. Daqueles que têm consistência, conteúdo, uma história pra contar, algo para acrescentar a cada um de nós que os apreciarem. Daqueles que não foram construídos na frivolidade  do sucesso fugaz. Eles têm ainda um lugar, ou estão sobrando pra eles apenas cômodos apertados em nossas casas, cantos particulares, pois a coisa pública está cada vez mais sustentada no verniz da inconseqüência e do descaso com a Arte de modo geral?

É. É assim mesmo que estou me sentindo… Desolado e com raiva. Atônito. Perdido. Deslocado. Desentendido deste lugar onde me encontro. Ainda gosto de livros, de uma boa música, de fazer poesia, de ler as crônicas da Cecília Meireles ou da Martha Medeiros. De ouvir um Villa-Lobos ou um Milton Nascimento. Ou viajar numa viola caipira tocada por um Roberto Corrêa ou um Renato Andrade.
Entristecido, desolado, recolho-me em meu desconsolo por ver situações como esta acontecendo com toda a indiferença que é capaz de ter o ser humano que está preocupado, neste sábado, em apenas aproveitar as promoções que fazem as lojas por ocasião do dia das crianças.
Vou fazer poemas. Ouvir músicas. Semana que vem há um feriado, mas poucos o aproveitarão para construírem uma questão sobre o significado do mundo da Arte, afinal este mundo da arte é trabalhoso e ainda não é descartável. Quando somos tocados por ele temos que nos haver com ele, que dar conta dele, e, por conseqüência, de nós mesmos…
Agora vou limpar e guardar os discos e os livros que trouxe da biblioteca que fechou.
 08.10.2011
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Taubaté desde Aldeia Alta


Crônica
Em 1636, vinha para estas bandas o Capitão Jacques Félix, com a missão de povoar estas terras. Muitos nomes também a povoaram. Itaboaté, Taboaté, Tahubaté, Tabebaté, paragem de Tabebaté. Em 1645, quando de sua elevação à vila e com a bênção dos franciscanos que vieram com Jacques Félix da Aldeia de S. Paulo, adota como orago, como padroeiro, S. Francisco das Chagas e seu nome começa a definir-se. São Francisco das Chagas de Taubaté. Para o nome atual alguns séculos e muita história. Em 1842 a vila torna-se cidade. Taubaté.
De Taubaté, bandeiras e bandeirantes irradiaram por sertões brasis domando tropas e índios. Das tropas tornaram-se senhores. Dos índios companheiros. Descobriram minas nas terras gerais onde abundavam o ouro e a riqueza do nosso chão. Ajudaram por aquelas bandas a construir um celeiro cultural com histórias e tradições do melhor quilate. Com paciência e perseverança, muita ganância também deveria haver, fincaram em terras mineiras, goianas, paulistas e doutros sertões a fibra de um povo desbravador, mas que também valorizava a história. Por onde andaram Taubateanos, sobraram, com sobeja, rastros de valores culturais. Também sobrou sangue, escravos maltratados e medos demais de outros povos. Pudera… Nada sobrevive quando se tem somente um lado.
Taubaté, de tantos lados e facetas, desponta agora para o século XXI, bem por sobre a serra como sol ensolarado em manhã de primavera florida. Desta Aldeia Alta, Taubaté, passemos vistas rápidas por uma faceta da história. Antigas aldeias se modernizaram, tornaram-se metrópoles, absorveram o que a tecnologia e o progresso ofereciam, mas deixaram-se perder a si próprias. Suas próprias histórias. A história que podia lhes conferir uma identidade. Outras tantas cultuaram suas tradições, arrodearam-se em si mesmas, temeram mirar longe os seus olhos e não conseguiram conviver em paz com a tecnologia e com o progresso. Perderam-se no tempo e no espaço. Taubaté, pela índole bandeirante pulsante em suas veias e por ter tido ao longo da sua infância, um povo cultivador da saudade, por estar mais em andanças e aventuras de desbravamentos, diferencia-se no percurso da história e se apresenta, hoje, evoluída, metrópole, desenvolvida e estruturada para acolher e estimular a tecnologia, o desenvolvimento e os avanços da modernidade, sem, contudo, ter deixado perder a sua história, suas tradições, suas raízes.
Dos franciscanos herdamos a devoção a Francisco. O Santo ecológico. E foi numa igreja franciscana, o Convento de Santa Clara, que Maria da Conceição Frutuoso Barbosa, nascida em 1o de novembro de 1866, no Bairro de Santa Luzia, iniciou o percurso de uma tradição secular para Taubaté. Certo dia, indo à missa pela manhã, como era de seu costume, encontrou operários juntando os cacos da imagem da Virgem Imaculada, que quebraram por acaso e cuidavam para dar fim nos restos, como era recomendado pelos costumes e convicções. Maria consegue autorização do frei guardião da igreja para levar a imagem para sua casa e tentar recuperá-la. Maria era aleijada, mas fez um trabalho de restauração, com argila, magnífico. Aquela imagem pode, ainda hoje, ser venerada e admirada no altar da capela de Nossa Senhora da Conceição. Mudou-se Maria Frutuoso para o alto de São João, hoje Rua da Imaculada Conceição e dali nascem, para nosso orgulho, as figureiras da Rua Imaculada de Taubaté. Um dos aprendizes da fazedura de figuras em argila foi o afilhado de batismo de sua irmã Bárbara, que não saia da sua casa, o Sr. Narcizo Alves dos Santos. Narcizo cresce fazendo arte em argila. Casa-se com D. Maria José Ferreira Santos, mais tarde Vó Maria. Nascem Maria Edith Alves Santos, Maria Luíza Santos Vieira, Maria Cândida Santos e José Domingos Santos. Daí as três irmãs figureiras. Edith, em 13 de setembro de 1936, já com nove anos de idade, ao voltar da escola não encontrou mais em sua casa D. Maria da Conceição. Havia sido levada para Santo Ângelo, SP, para ser internada. Teria lepra. Desmentido mais tarde. Naquele mesmo dia, o senhor Narcizo havia trazido um bolo de argila prá casa. Sina? Ia-se D. Maria da Conceição e nascia, modelando um galinho caipira, a primeira das três irmãs figureiras. Essas irmãs preservaram e deixam como herança uma história, uma tradição, uma lenda viva. Seus sobrinhos, de fato ou de encanto, aprendem, preparam-se para perpetuar a história, com o toque, as cores, os traços e os encantos que passam, já há décadas, de boca em boca, de mão em mão, de alma para alma …
Mas… Taubaté é muito mais…
De uma cidade com vocação agrícola, e tão devota a costumes e tradições, vieram muitas outras tantas belas manifestações de valores populares. Dança de S. Gonçalo, Congada, Jongo, Moçambique, Folia de Reis, dança da fita, do balaio, catiras, desafios, violeiros e… Ah! A culinária! Desde a bundinha de tanajura, a famosa içá torrada, que Lobato elogiava tanto até quitutes e rosquinhas que não deviam nada absolutamente a ninguém.
Terra de Lobato, Mazzaropi e tantos outros.
Mas aí Taubaté começa a fazer diferença nesse brasilzão de grandeza tanta. Tinha cultura para esbanjar. Preservou, cultivou, valorizou suas tradições. Mas num ficou só nisso não. Em 1891 era instalada nessa terra a Companhia Taubaté Industrial, a CTI. A maior fábrica de tecidos da América Latina. A CTI vinha como que acenando para um bandeirantismo urbano. Convidando para o progresso, para o desenvolvimento e para a modernidade. O espírito bandeirante do Taubateano num regateou não. Taubaté começa a progredir… A diferença? Progresso sem massacre à cultura, às tradições. Enquanto dava um passo para o futuro, fincava no chão um parmo de suas tradições e princípios populares.
Taubaté tem Universidade. Formal e informal. Tem escola com mestres, doutores e professores da melhor estirpe. Mas tem mestres em artes populares. Espalham-se por aí na informalidade do cotidiano, semeando estórias e plantando a semente da preservação. Nos dias de hoje é missão das prioritárias. A globalização veio para nos mostrar a importância do regional. E nós, Taubateanos por adoção ou nascimento, estamos, outra vez, escrevendo uma parte bonita da história.
Dia desses, vou lhes contar, andava divagando, apesar das pressas do progresso, ali por perto das velhas mangueiras do Sítio do Pica-pau Amarelo. Já passava da jaqueira quando recuei, pois escutei uma conversa que me causou estranheza. Prestei sentido, espiei, e vi. Lá em cima acocorados numa prosa de dá gosto. Parecia até conversa de pescador na beira de rio de domingo. Mas era dia de semana. Por aqui os feriados e a tecnologia se misturam numa combinação cordial. Tecnologia e folclore por aqui é coisa viva, de todo dia. Se prestá sentido é batata… Tá lá tudinho pra sê apreciado. Ô gente até me esqueci. Sabe quem tava lá em riba da jaqueira do Lobato? Numa prosa só? Falando que nem matraca de tempo de quaresma? Vejam só! O Saci e a Cuca. Ainda peguei uns restôi da prosa. O Saci tava bravo com a cuca, pois ela num entedia porque o povo de Taubaté era assim um povo danado de bão. Quem era nascido aqui vá lá, resmungava a Cuca… Mas quem evinha de outras parte também era bão demais da conta.
O Saci, eu percebi bem, já meio sem paciência tinha até dado conta da minha presença. Baforava o seu cachimbo e com ares de filósofo sentenciou: ___Ô Cuca eu num güento mais ficá lhe explicando as coisa… É a última vez, viu? Presta sentido… Quando há mais de três séculos pra trás armaram a primeira posada por aqui, eu tenho certeza que foi lá no Morro do Convento de Santa Clara. __ Ora, por quê? __ Foi lá, eu sei, e pronto. Ocê já num tá entendendo desse pouco dirá se eu for te contar história. Presta atenção, é a última vez. Foi lá e pronto. Foi de lá que saiu o nosso nome, Taubaté, Aldeia Alta.
Mas isso foi passado. Quero te contar de outra coisa. _Conta Saci, ocê ta é me enrolando. _Óia, eu já pito cachimbo é porque nem cigarro de paia eu tenho paciência pra enrolar, dirá o resto que nem é pra meus prazê… Cuca escuta. Quando fizeram aquela estátua grande do Cristo lá no alto de São Pedro, lá onde fica a Igreja da Imaculada, eu num sei bem qual foi as intenção, mas dia desses, já de era bem passada, passeando pelo Reino das Águas Claras ouvi o patrão docêis, o Sô Lobato, explicando pro Mazzaropi porque que aqui em Taubaté só fica gente boa. Dizia ele que o Cristo tá lá no arto da aldeia de braços abertos pra abraçar todo mundo, mas, e aí, presta atenção, ele dizia: “só que quem num tiver boa intenção com essa terra e com a nossa gente o próprio Cristo que tá lá pra acolher, também tá mostrando que se num quiserem ficar é só tomar a estrada que passa bem nos seus pé, a Dutra. E ele indica, se num quiser ir pra direita, pra São Paulo, pode ir mesmo pras esquerda, pro Rio de Janeiro”.
O saci olhou pra mim, deu uma piscadela e sumiu no alto da jaqueira. Ia descansar com certeza… A cuca…

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