Categoria : Do Livro DA ALMA DO DIREITO… – 2012

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Lançamento do livro “Da Alma do Direito ou A Psicologia do Direito”, em TAUBATÉ, dia 25/4

      

               

Apresentação do Livro

 Eu quase nada sei. Mas desconfio de muita coisa.
O senhor me concedendo, eu digo:
 para pensar longe sou cão mestre – o senhor solte à minha frente uma ideia ligeira,
eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!

 João Guimarães Rosa

         Esta obra propõe uma reflexão sobre o Direito, sua aplicação, como é ensinado e aprendido atualmente e o seu descompasso com o processo de desenvolvimento, de evolução e de aperfeiçoamento de outras atividades científicas e, principalmente, com relação a sua incapacidade para atender às demandas da sociedade.
          Realça a necessidade de voltar-se para um Direito vívido, com alma, e que se fundamente numa prática transdisciplinar e se desenvolva, desde sua formação até o seu pleno exercício, sob a chancela do Paradigma do Conhecimento que valoriza o conteúdo, o conhecimento e o Operador do Direito, o Jurista, e não como vem se desenvolvendo há séculos, priorizando somente o resultado formal e superficial, obediente aos pressupostos do Paradigma da Informação.
           A Alma do Direito está enferma. A Psicologia pode e deve socorrê-la em prol da sociedade que está órfã de um Estado que, mesmo valendo-se de um Sistema Jurisdicional estruturado, não está conseguindo tornar-se de fato e de modo eficaz um disciplinador da convivência e do comportamento humanos. 
          A sugestão ora apresentada pode tornar-se inovadora e vir a ser uma solução. Somente um Direito com Alma pode impedir a descrença da sociedade na capacidade do Estado para protegê-la e para zelar pelos caminhos que tem que trilhar na realização da sua individualidade.
         O abandono do Estado pode consentir, tacitamente, num retrocesso civilizatório e autorizar a pessoa a buscar solução para suas demandas a seu modo e com seus instrumentos e técnicas. A queixa com relação ao distanciamento entre o Direito e o indivíduo na sociedade é antiga — tem quase a idade do Direito — e as providências para sanar essas queixas têm-se apresentado ineficazes.

 O Autor

Prefácio

             Um livro que nos convida a pensar e a agir.

            Irreverente, densamente crítico, provocante.

            Gilberto de Castro Rodrigues constrói, com belíssima estética e rigor analítico, uma intensa reflexão sobre o papel da educação, em particular da (de)formação do bacharel em Direito, e do que se desdobra posteriormente junto à vida dos profissionais da área jurídica – advogados, promotores, juízes e professores – no Brasil do terceiro milênio.

            Um convite a pensar o quanto permanecemos, a despeito de diferentes roupagens, outros vernizes, novéis cascas, na mesma ambiência de poder nutrida pela sobrevalorização da informação que apenas renova sistemas punitivos e amplia o abismo entre a enregelada realidade e o ideal de fraternidade que se aspira realizar com a contribuição do Direito. O alcance de um “Direito preventivo” demanda, afirma o autor, que ele seja “prenhe de alma”. Sem esta transformação, sem vida, apenas se renovam as vetustas concepções de controle e vigilância, prenhes de orgulho, do panóptico de que nos fala Michel Foucault[1], da figura do “jardineiro” que discorre Zygmunt Bauman[2].

            Propõe o autor então uma mudança de paradigmas. Gilberto Rodrigues evidencia a tensão entre o conhecimento, recurso ao verdadeiro saber, distante do poder, e a informação. Assevera que o paradigma do conhecimento é o caminho à formação dos profissionais do Direito enquanto “agentes da paz”. Para isto, é preciso que as escolas realizem-se com a contribuição de todos, professores e alunos, e igualmente dos demais funcionários, “Uma Escola onde todos ensinem e todos aprendam”, em suas próprias palavras – e o que ele defende deve ser pensado não só em relação às faculdades de Direito, mas do mesmo modo às escolas das carreiras públicas.

            Thomas Kuhn, físico teórico e consagrado filósofo das ciências, legou-nos um clássico, A estrutura das revoluções científicas. Nesta obra diz o pensador que o efetivo progresso da ciência não decorre só do acúmulo gradual de dados amealhados, mas sim das revoluções do pensamento científico que se consumam em momentos de crise e levam os cientistas a modificar seus paradigmas. A par do desenvolvimento normal da ciência há então o revolucionário, e enquanto aquele evolve sob uma concepção cumulativa, a revolução pressupõe “um modo não-cumulativo” e exige a alteração do modo de pensar e descrever um conjunto de fenômenos naturais[3]. As mudanças revolucionárias, portanto, “(…) são, de certa forma, holísticas. Isto é, elas não podem ser feitas gradualmente, um passo de cada vez (…)”. As revoluções implicam “mudança de significado”, um modo diverso de as palavras e expressões associarem-se à natureza, e ainda o conjunto de objetos e situações que se relacionam com os termos que os designam[4].

            É o que propõe Gilberto Rodrigues: uma revolução por mudança de paradigmas. Não é mais suficiente, segundo ele, a manutenção da rebarbativa taxonomia dos métodos de ensino, atualizados por recursos tecnológicos e com aparente progressividade, mas que em grande medida apenas aprofundam a distância do conhecer-se, do ser, em prestígio do ter.

            Da Alma do Direito ou A psicologia do Direito faz coro a reflexões de extraordinários pensadores, portanto. Lembro Erich Fromm que acentua: “Conhecer não significa estar de posse da verdade; significa penetrar além da superfície e lutar crítica e ativamente a fim de se aproximar cada vez mais da verdade”[5]. Em outra sublime passagem na qual trata do ser e do ter especificamente junto à educação ele faz judiciosas críticas que bem introduzem o que pretende Gilberto Rodrigues. Diz Erich Fromm:

Os estudantes, no modo ter, só têm um objetivo: contemplar o que eles ‘aprenderam’, ou fixando-o firmemente na memória ou conservando cuidadosamente suas anotações. Não têm que produzir ou criar algo de novo. De fato, o indivíduo do tipo ‘ter’ sente-se até perturbado por novos pensamentos ou ideias sobre um assunto, porque o que é original põe em questão o acervo fixo de dados que ele possui. Na realidade, para aquele cuja principal forma de relacionamento com o mundo é o ter, as ideias que não possam facilmente ser enfeixadas (ou anotadas) são assustadoras (…).

O processo de aprendizagem tem uma qualidade totalmente diferente para estudantes no modo ser de relacionamento ‘com’ o mundo. (…) Eles pensaram antes nos problemas de que tratarão as conferências e levam em mente algumas questões e problemas próprios. Ocuparam-se do tópico e ele lhes interessa. Em vez de serem receptáculos passivos de palavras e ideias, eles prestam atenção, ‘ouvem’, e, mais importante, ‘recebem e reagem’ ativamente de modo produtivo. Aquilo que ouvem estimula seus próprios processos de pensar[6].

            Mas a revolução proposta por Gilberto Rodrigues deve orientar-se às instituições de ensino, à docência. Afinal, provoca o autor, “Quem brinca de tocar piano é vaiado. E quem brinca de ser jurista?”.

            Enfim, a educação. A formação pelo conhecer – a si próprio, primeiro, ao outro como razão de ser o que se deve fazer.

            Educação que necessita da transdisciplinaridade. Pois sem ela não há espaço a perceber o mundo à nossa volta, não nos damos conta de que a solidez da modernidade iniciou sua fragmentação, e a contemporânea “pós-modernidade” – ou modernidade reflexiva (Ulrich Beck), modernidade líquida (Bauman), hipermodernidade (Lipovetsky) – reclama a superação de dogmas não mais suficientes.

Como afirma Eduardo C. B. Bittar:

Ao se enfrentar o tema da pós-modernidade, dar-se-á clara importância às diversas crises surgidas em seu contexto, bem como às crises que lhe ocasionaram o surgimento. A crise que mais de perto se estará a discutir é aquela referente à eficácia do direito, pois de nada adianta pensar-se no direito como regra de dever-ser (Sollen) isolada do ser (Sein), na medida em que a distância entre os altiplanos das normas protetivas de direitos fundamentais da pessoa humana se encontram impossibilitadas de serem colocadas a serviço da maior parte da população, e na mesma medida em que as próprias políticas públicas se convertem em ações episódicas incapazes de perpetrar seus efeitos práticos, produtores de justiça social, sobre a vida do mais mortal dos homens[7].

            A eficácia de um Direito com alma depende da formação dos seus profissionais. Que abandonem a “cultura-jardim” – “(…) o propósito da educação é ensinar a obedecer”[8]–, dispensem-se da postura de legisladores, e apresentem-se como intérpretes, tal como sugerido por Zygmunt Bauman: “(…) especialistas em tradução entre tradições culturais. (…) Trocando em miúdos, a especialização proposta se resume à arte da conversação civilizada”[9].

            Outros paradigmas, então. Tal como propõe Boaventura de Sousa Santos, do conhecimento-regulação cuja referência do saber é a ordem e da ignorância é o caos a um conhecimento-emancipação no qual a ignorância é o colonialismo e o real saber a solidariedade[10] – o que exige aceitar “um certo nível de caos” ao relativamente ser negligenciado o conhecimento-regulação[11]. É o multiculturalismo de que fala este sociólogo que se encontra na proposta de revisão da formação acadêmica defendida nesta obra que prefacio, do paradigma da informação ao paradigma do conhecimento.

            Gilberto Rodrigues, à força de verve envolvente, ácida e docemente crítica, um oximoro que incomoda porque questiona nossas práticas habituais, convida-nos a pensar com a sublimação dos nossos preconceitos – ou ao menos momentaneamente os pondo de lado. O que é, ou o que pode ser um Direito com alma? Como nos capacitamos, e sobretudo remodelamos, a estrutura pedagógica com vistas à (trans)formação de nossas humanidades, de um Direito para e com a paz?

            Se Freud entende a modernidade como a superação do princípio do prazer, de parte da felicidade e da liberdade, para o predomínio do princípio de realidade no qual a causa e o escopo são o prestígio à segurança – com as consequentes privações dos nossos “impulsos naturais” que resultam nas doenças da alma –, Herbert Marcuse[12] diverge desta refutação à possibilidade de uma sociedade não-repressiva. A abolição da repressão – marco da modernidade – é possível. Os dois planos de Freud – ontogenético: a evolução do indivíduo reprimido; filogenético: a evolução da civilização repressiva – desenvolvem-se sob implicações mútuas, o que leva ao abandono da felicidade e à geração do sentimento de culpa. Para Herbert Marcuse, o princípio de realidade deve ser compreendido como o princípio de desempenho que se formata pela dominação e a alienação que se encontram na organização social do trabalho, mas é possível reformulá-lo de modo a ser “(…) qualitativamente diferente e não-repressivo”[13]. A redução quantitativa da energia de trabalho, a superação dos controles repressivos impostos pela civilização (moderna) à sensualidade, são alguns dos caminhos necessários[14] em busca de uma “cultura não-repressiva”, pensada por Schiller, conforme anota Herbert Marcuse[15].

            Neste específico contexto as ideias de Gilberto Rodrigues pretendem contribuir a repensar a atividade laboral do operador do Direito, a uma diferente percepção da função social das profissões relacionadas com o meio jurídico, às potencialidades do ser humano enquanto agente transformador da sociedade e imediatamente responsável por si e pelo próximo.

            Pode o leitor substancialmente divergir dos argumentos, perspectivas e propostas apresentadas, mas me parece insuperável reconhecer que as reflexões deste livro, consubstancialmente elaboradas, fazem pensar. Convidam a conhecermo-nos, a conhecermos os outros, e quem sabe, a quem a elas aderir, ao agir.

                        Luis Manuel Fonseca Pires.

                        Juiz de Direito noEstado de São Paulo.

                        Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP.

                        Professor de Direito Administrativona  graduação e na pós-graduação lato sensu 

                        da PUC-SP.


[1]O panóptico, projeto arquitetônico concebido pelo filósofo Jeremy Bentham no século XVIII, pretendia permitir a um vigilante posto em região central do prédio simultaneamente observar todos os usuários em suas constantes atividades. Serviria à prisão e ao manicômio, e ainda à escola, ao hospital e à fábrica. Michel Foucault utiliza a expressão para analisar a “sociedade disciplinar” que se edifica e consolida-se nos séculos seguintes (Vigiar e punir, 38ª ed., Vozes).

[2] Diz o autor: “O poder que preside a modernidade (o poder pastoral do Estado) é moldado segundo o papel do jardineiro. A classe dominante pré-moderna era, em um sentido, um guarda-caça coletivo. A passagem para a modernidade foi um processo no decurso do qual o primeiro emergiu e o segundo declinou, sendo no final substituído” (Legisladores e Intérpretes, Zahar, p. 79). A “cultura-jardim” da modernidade centra-se no poder social de controle do tempo e do espaço, na dominação.

[3]O caminho desde a estrutura, 9ª ed., Perspectiva, p. 24-25.

[4] Op. cit., p. 41-43.

[5]Ter ou ser?, 4ª ed., LTC, p. 56.

[6] Op. cit., p. 47.

[7]O Direito na pós-modernidade, Forense, p. 8-9.

[8]Zygmunt Bauman, op. cit., p. 107.

[9] Op. cit., p. 197.

[10]A Crítica da Razão Indolente, 7ª ed., Cortez, p. 29.

[11] Op. cit., p. 79.

[12]Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud, 8ª ed., LTC.

[13] Op. cit., p. 123.

[14] Op. cit., p. 169

[15] Op. cit., p. 174.