Categoria : Artigos & Entrevistas

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O OUTRO

foto Gilberto Rodrigues

foto Gilberto Rodrigues

Algo de verdade em mim tomou a minha mão
desenhava palavras construía versos
mesmo ante minha grande indignação

Aqueles versos um poema escrevia
um sentido indigesto delatava
e eu escrevia escrevia e chorava

Enquanto lia assustado o que revelava
ia me desvelando no atropelo de cada verso
naquele poema que me escrevia

As palavras escorriam papel afora
compondo significados insinuando sentidos
numa linguagem que por mais que não quisesse
me falava do que não sabia mas sabia

Algo de minha verdade impedia minha mão de parar
doía cada verso e com culpa eu prosseguia
lendo um poema feito a revelia de mim mesmo
e jurando que aquilo jamais publicaria

Escrevia escrevia e chorava
assustado com o que revelava cada verso
com o sentido que construíam ao me descreverem

Eu não quisera escrever aquele poema
não foram essas palavras que intencionei
mas tomou-me minha mão algo de mim
e com persistência obstinada me escrevia

Cada palavra numa linguagem que me desconstruía
revelava-me o que sempre soube
mas desde sempre eu vivia com se não soubesse.

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Ser Pai no séc. XXI

“Mater semper certa est, Pater autem incertus”

“A Mãe é sempre certa, o Pai, porém, é incerto.”  _ Adagio Romano

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A mãe é certa, o pai é dado. Pai é aquele sujeito que a mãe nomeia para seu filho como sendo o seu pai. Na antiguidade dependia-se da anunciação da mãe para que se soubesse, biologicamente, quem era o pai de seu filho. Na pós-modernidade não há mais esta necessidade. Um exame de DNA é suficiente para anunciar, ou denunciar, a paternidade biológica, porém… Porém este adágio ainda vale e, mais do que nunca, traduz uma verdade quando não mais nos referimos a questão biológica e sim falamos de questões afetivas, responsáveis pela estruturação de um sujeito. Isto quer dizer que o pai vai além do biológico ou mesmo prescinde do biológico. Quer dizer que ser pai é estar investido de uma função e esta função precisa, necessariamente, ser reconhecida pela mãe. A mãe precisa autorizar a existência deste pai conferindo-lhe autoridade perante os filhos, conceder-lhe um lugar efetivo de parceiro no processo de formação dos filhos. A mãe pode até discordar, mas

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Sobre a Ditadura da Beleza

Beleza é uma qualidade do que é belo. E o belo, o que é? O belo é aquilo que, harmonicamente, proporciona deleite àquele que com ele se depara porque além do exterior que seduz e persuade há um interior que encanta e fascina.  E isso acresce algo da ordem do humano àquele que o belo contempla. Por isso o belo pressupõe forma e conteúdo. O vazio pode sim, ser belo, desde que no contexto em que se apresenta sugira uma reflexão, um conteúdo, uma possibilidade de, dialeticamente, refletir algo

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Sobre a Ditadura da Felicidade!

fotosda hora.com.br

Para o Houaiss, ditadura, em sentido figurado quer dizer “excesso de autoridade ou de influência que algo ou alguém exerce sobre um conjunto de pessoas”. Desta definição podemos depreender que ditadura é algo que alguém impõem a outrem. E é também isso. Porém, quero refletir sobre um outro tipo, um outro modo de se praticar a ditadura. Uma ditadura que  o sujeito se impõe, uma ditadura que por vir da imposição do próprio sujeito sobre ele mesmo, decorrente da falta de consciência

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Escolhas

IR OU VIR – foto gilberto rodrigues

O nosso dia-a-dia, os rumos que tomamos na vida, os amores que acolhemos ou aqueles que desprezamos, os que vivemos ou os que não deram certo; as características que terá ou que não terá nossa vida é decorrência das escolhas que fazemos ainda que não tenhamos consciência de cada uma dessas escolhas, ainda que não saibamos o que está, de fato, por detrás de cada uma delas, ainda que em muitas vezes até imaginamos que não estamos escolhendo. Tudo o que somos e como conduzimos nossas vidas é, indubitavelmente, resultado das nossas escolhas. Repito, sejam estas conscientes ou

Da Alma do Direito…

Entrevista concedida a AJD – Associação dos Juízes para a Democracia, SP

em 1 de junho de 2012, sobre os temas discutidos no livro DA ALMA DO DIREITO OU A PSICOLOGIA DO DIREITO, recém lançado em São Paulo.

Clique aqui para assistir à  entrevista:

http://www.ajd.org.br/multimidia_videos_ver.php?idConteudo=233

Não deixemos os códigos dominar o direito,

O ser humano é o começo, o meio e o fim…

A ALMA DO DIREITO – 1 de junho from AJD Justiça e Democracia on Vimeo.

A ALMA DO DIREITO,  com Gilberto Rodrigues e Luiz Manoel F. Pires

O direito e seu elemento animador: um grito que ecoa nos bancos das universidades e que se cala ao longa da carreira daqueles que fazem do direito o seu mundo. Gilberto Rodrigues fala sobre aprender e apreender o direito e sua alma.

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sobre o CIÚME

É  frequente ouvirmos afirmativas de que quem não tem ciúmes é porque não ama. Em parte essa afirmativa procede se estivermos falando do que chamamos ciúme normal, porém temos que nos perguntar se todas as manifestações de ciúme, são iguais, se são normais. Com certeza já vimos ou mesmo já experienciamos cenas ou manifestações de ciúme que consideramos exageradas, descabidas, sem sentido. Mas há sentido no ciúme? Sim, há sentido no ciúme, naquele que poderíamos chamar de ciúme normal, que pode ser racional, que se dá diante de uma situação real, normal e compreensível. Porém o grande problema do ciúme, que acaba, inclusive, desestruturando muitas relações é o ciúme que extrapola circunstâncias reais. Poderíamos chamá-lo ciúme patológico,

nAMORando…

foto Gilberto Rodrigues

Namorar. Buscar conhecer. Dar-se a conhecer. Através desta dialética aqueles que já encontraram aquele Outro que o ajudará a descortinar a si mesmo, muitas vezes de forma inexplicável, muitas vezes mágica, outras tantas inesperadas, namorados, se entregam na busca de saber se terá, desta vez, encontrado quem será seu grande amor, para sempre. É preciso crer num para sempre, senão não fará sentido investir tudo numa relação. Mesmo que para sempre possa ser tempo demais. Porém este outro não é a cara-metade, a outra metade da laranja, a tampa da panela ou outros tantos ditos. O Outro que vai me mobilizar não é o que complementa porque o que complementa priva a angústia, o crescimento individual  e o mais rico de uma relação, o autoconhecimento. O outro que tornar-se-á interessante aos meus olhos é aquele que possibilitará a percepção de que, junto com ele,  há muito a crescer enquanto ser humano, enquanto singularidade, por isso recair sobre esta pessoa especificamente e não em outra, a escolha enquanto  objeto do meu encantamento, do meu amor.

            Uma das maiores características deste encontro é o inesperado. De onde e de quem menos se espera, da forma mais surpreendente, num momento inimaginável, … Pronto, nos esbarramos com alguém que nos provoca algo diferente, inexplicável, fora do nosso controle. Isto se dá desta forma porque os encontros que são destinados ao amor obedecem a certas regras que não compreendemos, muito menos explicamos. São da singularidade de cada um. O encantamento que se tem pelo outro muitas vezes diz de algo que o outro tem mas, nem mesmo ele sabe. Muitas vezes é uma particularidade, algo simples, um pequeno detalhe ou um conjunto de pequeninos detalhes que nos fazem olhar de modo diferente para alguém. Muitas vezes nem sabemos explicar, descrever o que foi que teria chamado tanto a atenção no outro. É um encontro de não saberes. Um encontro que produz algo que faz com este alguém se torne especial e leva a uma busca de aprofundamento do conhecimento sobre o outro. E  a medida em que este conhecimento vai ocorrendo ele dá-se num vai-e-vem de descobertas. Por isso uma relação de amor é sempre uma relação de mão dupla, não se ama sozinho, pois amar é saber de si através do outro. O outro torna-se parte do meu autoconhecimento e vice-versa. E se este alguém corresponde, por ter sido também tocado por algo simples, está dado o primeiro passo para que uma relação especial possa se estabelecer. Porém, não é necessário que este entusiasmo, este encantamento,  ocorra a primeira vista, de forma simultânea. Basta que se dê  em uma das partes e que a sensação de ter encontrado alguém especial ocorra para que este, agora enamorado, busque conquistar o seu objeto de encantamento e de interesse para mostrar-se e ver se aquela pessoa que tanto o entusiasmou possa “ver” nele também algo de especial, uma particularidade que encante, ou mesmo algo que também não sabe e nem precisa explicar. Os encontros que dão origem ao namoro, aos grandes amores, às verdadeiras paixões não estão ao alcance dá razão, da explicação lógica ou de uma sequência objetiva que saibamos, mais tarde, explicar. E este inexplicável é, via de regra, exatamente aquilo que se coloca entre os enamorados, os amantes e os apaixonados e que os levam a idealizar projetos para uma vida em comum.

            Enamorados, buscam, então, cultivar o amor. Amor que possibilita a quem ama encontrar a resposta para uma das questões que mais afligem o ser humano, “quem sou eu?” Sim, amar é encontrar-se consigo mesmo a partir da convivência com alguém que possibilita o saber sobre si mesmo, pois, como já dito, amar é saber de si através do outro . Para amar é necessário que saibamos das nossas faltas, das questões que constroem os nossos vazios, as nossas angústias, e é ao dar isso que eu não tenho, que não sei que sou, que se estabelece uma verdadeira relação de amor, e nesta dialética de não saberes, de não saber tudo que tenho e sou, é que vou me descobrindo nesta relação estabelecida. Por isso a pessoa que será eleita como o objeto do meu amor será exatamente aquela que possibilitará que eu me conheça melhor, me goste mais, me ame. É pelo fascínio que experimento ao descobrir-me, ao ir sabendo cada vez mais de mim numa relação de amor que busco perpetuá-la. Cuido do outro para que deste encontro mágico e inexplicável vá me tornando uma pessoa melhor. Donde dizermos que o amor constrói, dignifica, faz crescer. Se neste vai-e-vem de uma relação de amor este processo de autoconhecimento torna-se duradouro para os dois na construção quotidiana de uma relação esta relação será cultivada com carinho, compreensão, companheirismo, afeto e amor pois ela terá se transformado numa relação de crescimento, de alegria, de encantamentos  e prazeres para ambos. E apesar das intempéries do dia-a-dia ela será cuidada pois é através desta relação de amor que cada um cresce e se descobre enquanto ser humano, enquanto uma singularidade que transforma a vida em algo que valha a pena e merece ser vivida. Ser feliz é consequência.

Artigo publicado na VITRINE REVISTA, Junho 2012| no. 32 | ano 4

O Caipira

foto Gilberto Rodrigues

Busquemos a origem do termo, sua etimologia. Sabe-se que é uma palavra de origem Tupy e quem apresenta a definição que me parece a mais aceitável é o ilustre Teodoro Sampaio no seu livro “O TUPI NA GEOGRAFIA NACIONAL”[1], onde define Caipira como “o envergonhado, o tímido”.

Esta definição se repete basicamente em todos os autores que tentaram definir o termo. Por exemplo, Câmara Cascudo[2] nos oferece a seguinte definição: “Homem ou Mulher que não mora na povoação, que não tem instrução ou trato  social, que não sabe vestir-se ou apresentar-se em público”.  Uma outra conceituação é de Beaurepaire-Rohan[3], no livro Dicionário de Vocábulos Brasileiros, RJ, 1889: “ Nome que se designa o habitante  do campo. Equivale a labrego, aldeão, e camponês em Portugal, …”, mais uma definição: “Caipira é o matuto, o roceiro que ainda não se deixou tomar pelas maneiras da cidade.”[4]

             Poderíamos inserir mais uma dezena de definições, mas, como se pode perceber nas citadas, todos vão se assemelhando e dizendo a mesma coisa. É, a meu ver, importante considerar que todas as definições e estudos que foram publicados até hoje margeiam suas definições muito mais pela geografia e pelo jeito “caricato” do homem do campo do que por uma análise de comportamento, estrutura de personalidade e, principalmente, valores deste cidadão brasileiro que se chama Caipira, ou que chamamos Caipira.

            Creio sim, que a Geografia do caipira enquanto determinante da sua origem seja fundamental, mas o que quero ressaltar é o que sobrou, tão entranhado, com tamanha profundeza, na alma do homem que hoje denomina-se e é chamado caipira e que o faz tão rico, original e, creio, indestrutível. A Geografia, para uma definição atual, caducou. Encontramos caipiras em todos os cantos do Brasil e em muitos do mundo afora. Encontramos o Caipira nas grandes cidades, com títulos Universitários os mais altos, e o encontramos também no campo, nos rincões e roças deste nosso “brasilzão”. E aí vem um dado que gosto de observar. O Caipira da roça, semelhante àquelas definições que já vimos, tem uma parecença fantástica com o caipira urbano, usando terno e gravata e falando fluentemente vários idiomas. Isto me leva a afirmar que ser caipira hoje não é mais uma questão de Geografia, de forma de se vestir ou de jeito de falar mas sim um Estado de Alma.

Ser Caipira

é ser dum jeito que num tem explicação

é Ter no fundo d’alma

e nas profundezas do coração

um senso que só tem

a própria essência do sertão”[5]

             O caipira estabelece modos e linguagem peculiares, porém sem contudo impor alguma coisa, algum ritual, alguma adesão. Caipira é algo que se é ou que se aprecia. As modas de viola, entoadas na viola caipira, falam dos amores e do belo. Os causos são estórias com uma simbologia e significados importantes e profundos. A saudade é mais que uma recordação de uma infância ou de uma época. É a vontade de viver segundo princípios e valores que são próprios do caipira e que todos hoje desejaríamos fossem valores de todos nós. Estes valores são enraizados na observância das leis da natureza, no seu respeito e nas suas particularidades. Então ser caipira, antes uma questão de geografia, hoje é uma questão de valores e modos de ser, de pensar e de agir. Ser caipira é saber ser em comunhão com a natureza, é render-se a seus tempos e a suas estações, respeitá-la em sua originalidade e na singularidade de cada um, é cultivá-la para que floresça e dê frutos saudáveis e viçosos. Enquanto a gente espera a semente germinar, o tempo de colher, de arar, de fecundar o chão ou o coração, entoamos modas de viola, contamos “causos”, dançamos catira, ponteamos uma lua cheia…



[1] 4ª edição, da Câmara Municipal de Salvador, 1955.

[2] Dicionário do Folclore Brasileiro, Ed. Melhoramentos, 4ª edição, 1979.

[3] In Câmara Cascudo, op. citada

[4] Silveira Bueno, Professor Emérito da USP, no seu VOCABULÁRIO –Tupi-Guarani Português, Éfeta Editora, 6ª edição, 1.998.

[5] Rodrigues, Gilberto – do Poema Ode ao Caipira, do Livro “Carreando História – Poesia Caipira”

 

Artigo publicado na REVISTA VITRINE, abril 2012, n0. 30, ano4 – vitrinerevista@terra.co.br

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Sobre a Mentira

foto Gilberto Rodrigues

Tarefa árdua a de construir uma reflexão sobre este tema. Embora presente em nossas vidas desde a mais tenra idade quando, crianças ainda, somos alertados para não mentir pois é feio, é pecado, papai e mamãe ficam tristes, as pessoas não gostam, deus castiga, a mentira ou a tentativa de sua evitação é algo que entremeia as relações humanas o tempo inteiro. Seja a mentira que pronunciamos, seja a mentira que somos.

É importante distinguirmos estas duas formas de mentira. Uma, a mentira que pronunciamos quando, de posse de uma verdade, a ocultamos. Outra, a mentira que temos que nos tornar para nos adequarmos as demandas que nos impõe o mundo civilizado, o mundo das relações humanas. A nossa sociedade.

No primeiro caso a essência da mentira está no fato de que o mentiroso esteja consciente da verdade, que saiba qual é a verdade que esconde ou deseja esconder. Não se mente sobre o que se ignora. Pouco importam as razões ou os objetivos pelos quais se mente. Pode ser para se defender, para ludibriar, para tirar algum proveito. Em qualquer destes casos é necessário, para que se caracterize um ato de mentira, que o mentiroso saiba sobre a verdade que está escondendo. Não se caracteriza como mentira o que é dito a partir do desconhecimento ou da incerteza. O mentiroso, ao mentir tem uma disposição íntima para querer esconder a verdade do seu interlocutor. A mentira pressupõe, sempre, a presença do Outro. Presume a existência do Outro para mim e de mim para o Outro. Isto significa que ao mentir há uma intenção, um propósito. Um objetivo. Não há mentiras por descuido. Não falamos aqui do mentir para si mesmo, do auto-enganar-se, pois esta é uma questão de outra ordem e que poderá ser objeto de reflexão em uma outra oportunidade.

No segundo caso, um pouco mais complexo – sobre a mentira que somos – é necessário que compreendamos que não somos possuidores, portadores, de uma identidade, mas que, desde quando nascemos temos que ir nos identificando com o Outro, com os outros que estão ao nosso redor quando iniciamos nosso percurso na vida. Nascemos em uma sociedade já constituída, com um modo próprio de estabelecer as suas relações, ou seja, em uma cultura estabelecida, determinada há muitos séculos e ao nascermos, para a nosso sobrevivência física e psíquica, precisamos nos adequar a esta sociedade. Esta adequação se dá a partir das identificações que vamos realizando enquanto inseridos nas estruturas da família, da escola, das instituições religiosas, e de outros grupamentos constituídos e aceitos socialmente e nesta adequação vamos perdendo algo que é nosso, que  é próprio, ou seja, uma completude original. Abdicamos desta para nos tornarmos um sujeito a partir das identificações que vamos realizando no nosso processo de estruturação psíquica. Criamos uma imagem de quem somos, mas quem de fato somos não sabemos pois tivemos que abdicar da nossa totalidade individual para realizarmos as identificações que pudessem nos fazer aceitos para então, sermos inseridos no contexto de mundo já estruturado, já estabelecido. Então, quem somos nós? Somos de fato quem pensamos ser? Ou o que achamos que somos, é uma mentira pois ao realizarmos desde o nosso nascimento nossas primeiras identificações vamos perdendo nossa identidade original para garantirmos uma melhor adequação a este mundo já estabelecido, já estruturado. Não temos consciência destas identificações que fazemos, nem do modo como as fazemos, como não conseguimos saber com o que ou com quem fomos nos identificando. Porém é importante estarmos atentos para o fato de que se para nos adequarmos, ao irmos realizando nossas identificações, abdicamos em demasia de nós mesmos, mais do que uma mentira deixamos simplesmente de Ser. Morremos enquanto sujeito, enquanto indivíduo, enquanto pessoa com um conjunto de identificações que nos caracteriza. E é este conjunto de identificações o que nos individualiza, que nos possibilita um nome, um lugar único nesta sociedade organizada dos seres humanos. Embora individualidades, não temos uma identidade até porque esta vai sendo alterada ao longo do percurso da vida que vamos construindo no nosso dia-a-dia. Então, o que somos? Quem somos? Somos mesmo uma mentira?

Considerando pertinentes estas observações de que mentimos para esconder a verdade, ou que nos escondemos enquanto verdade para podermos nos adequar a esta sociedade estruturada torna-se necessário e urgente refletirmos sobre, se mentimos, ao mentirmos, o que estamos de fato buscando. Será que a mentira pode ser uma forma de busca para a adequação, para a aceitação? Cabe-nos ainda perguntar o quanto devemos continuar nesta busca incessante de identificação para que sejamos aceitos. Parece-me que o caminho para quebrarmos esta busca constante e interminável de adequação é olharmos para as questões que mais nos incomodam enquanto quem tem que estar o tempo todo adequado. Quebrar este processo é buscar o autoconhecimento.

A mentira pode ser uma aliada enquanto reveladora das nossas verdades. Se no primeiro caso mentimos pra esconder, sabemos da verdade ocultada. Podemos então nos perguntar por que a mentira pode ser mais produtiva, mais eficaz que a verdade. Esta pergunta talvez já nos encaminhe para relações mais verdadeiras. No segundo caso, se para sermos aceitos temos que perder parte da nossa individualidade, a saída talvez seja repensarmos o que queremos ser e se precisamos continuar indefinidamente na busca pela identificação para garantir que, por sermos bem adequados, nossa sobrevivência será mais feliz.

Ambas as respostas passam pelo caminho da busca pelo autoconhecimento. É um caminho tão árduo quanto o do exercício da verdade

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