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Sobre a Ditadura da Beleza

Beleza é uma qualidade do que é belo. E o belo, o que é? O belo é aquilo que, harmonicamente, proporciona deleite àquele que com ele se depara porque além do exterior que seduz e persuade há um interior que encanta e fascina.  E isso acresce algo da ordem do humano àquele que o belo contempla. Por isso o belo pressupõe forma e conteúdo. O vazio pode sim, ser belo, desde que no contexto em que se apresenta sugira uma reflexão, um conteúdo, uma possibilidade de, dialeticamente, refletir algo, significar ou  mesmo resignificar alguma coisa no sujeito que se deparou com o belo e não temeu compartilhá-lo em contemplação. O belo faz com que o sujeito que o contempla, que com ele e nele compartilha a sua intimidade, torne-se um sujeito melhor pelo simples fato de consentir em apreciá-lo e deixar-se interagir nele e com ele. O que não tem conteúdo não se reconhece no que tem. Fica então na apreciação do  superficial pois seu olhar não adentra mais que isso. Os semelhantes se atraem. O belo, seja da ordem do físico, do moral, do ético, do psíquico, do estético, do acústico, do lúdico ou de qualquer outra ordem é consequência da harmonia entre o que deixa-se revelar e o que se aconchega na alma enquanto potencial de existência. Entre o que se é, no âmago do Ser, e o que se mostra nas relações consigo mesmo, com o Outro e com o mundo.

O belo conforta, apazigua, inquieta, provoca deslumbramentos e encantamentos quando o sujeito se rende a sua manifestação e deste encontro, mesmo que sem a necessária consciência, constrói seu percurso como um sujeito que perscruta a beleza a partir de si mesmo. O belo, caminhando pari passu com a estética, reflete a harmonia entre o ser e o ter de cada sujeito, de cada coisa, de cada fenômeno que nos cerca cotidianamente ou em circunstâncias especiais. O belo é o que buscamos sempre. No Outro e no mundo e é o que deveríamos, obstinadamente, buscar em cada um de nós. Parecer com o que somos. Tornar-mo-nos o que tão somente podemos ser. Sermos belos sujeitos, singulares no autorizamento de viver a sensatez ou a insanidade, a loucura ou a sanidade nossas de cada dia.

Porém o modo de vida que tem sugerido os tempos modernos – tempos líquidos – para uma significativa parcela de pessoas, está conduzindo ao desaparecimento de parte importante do que é belo em cada sujeito que se submete a ditadura da beleza. Em detrimento do conteúdo surge então, a supervalorização da forma. E o sujeito desavisado ou ansioso por repostas rápidas, por não ter realizado uma reflexão profunda e consistente sobre o que deseja e como deseja ser-no-mundo, deixa-se seduzir por um sistema que impõe uma padronização de beleza sem se importar com os prejuízos que daí advirão. E este sujeito submete-se, torna-se cúmplice e partícipe do que chamamos a ditadura da beleza. A estética transforma-se em simples e vazia aparência, donde não se falar mais em estética, pois esta pressupõe conteúdo. Desta ditadura sobram as aparências. Frívolas e desbotadas. Vazias. Fugazes. Efêmeras. Uma aparência passageira, fluída, vã. Verdadeiros sepulcros caiados. A desimportância do conteúdo, do Ser, do saber-se alastra-se de forma daninha em anúncios de felicidade rápida e fácil, do sucesso instantâneo, de uma alegria promissora, embora promiscua, de uma tentativa de construir uma beleza com a artificialidade que a tecnologia, associando-se às promessas milagreiras, sugere. Torna-se, então, matéria de primeira necessidade para aquele sujeito que crê poder se sustentar apenas ancorando-se na casca caricata em que se transforma quando submete-se ou permite que lhe imprimam traços padronizados e ditados por uma imposição de marketing em nome da beleza e a partir de um estereótipo que objetiva apenas lucros fartos para alguns.

Acreditar nesta beleza, imposta e estereotipada, é autorizar ou mesmo buscar a perda da sua singularidade. É abdicar da sua condição de sujeito único, com marcas, traços e características próprias para tornar-se igual, para tornar-se plural, assemelhar-se a todos de uma “tribo” que busca apenas a beleza aparente e superficial. Com certeza, quando a beleza – com os mesmos traços de superficialidade e inconsistência – toma o lugar da possibilidade de cada sujeito singularizar-se não há mais que falar-se em beleza mas sim em caricatura de uma manada que se identifica pela semelhança, pelo tornar-se igual, tornando-se assim desinteressante para qualquer relação que seja consistente porque não traz consigo o conteúdo, aquilo que pode sustentar um sujeito quando deseja e ousa ir ao encontro do que é, com suas potencialidades e possibilidades de ser único, portanto passível de ser de fato admirado em sua beleza – exterior e interior – e admirar a beleza do Outro.

Todo sujeito é belo se não relega à superficialidade aquilo que ele é. Aquilo que o singulariza. Só a aparência, o superficial, esvai-se ao vento mais débil. Esvai-se com o tempo que  nos presenteia a cada dia com a maturidade necessária para compreendermos que só podemos ser o que somos. E o que somos pereniza a beleza, a originalidade de cada um, de cada coisa, dos fenômenos desta vida onde a única imposição é sermos autênticos, portanto, originais. De tudo que há na natureza uma significativa parcela de seres humanos abdica da sua originalidade para submeter-se a imposição das aparências, enfeando-se cada vez mais, apesar da maquilagem cotidiana a que se submete. Ao querer aparecer como igual, desaparece enquanto sujeito de uma beleza singular.

Artigo publicado na Revista Vitrine, Nov. 2012

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