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Sobre a Ditadura da Felicidade!

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Para o Houaiss, ditadura, em sentido figurado quer dizer “excesso de autoridade ou de influência que algo ou alguém exerce sobre um conjunto de pessoas”. Desta definição podemos depreender que ditadura é algo que alguém impõem a outrem. E é também isso. Porém, quero refletir sobre um outro tipo, um outro modo de se praticar a ditadura. Uma ditadura que  o sujeito se impõe, uma ditadura que por vir da imposição do próprio sujeito sobre ele mesmo, decorrente da falta de consciência do que ele é  e dos seus próprios desejos, torna-se difícil de ser contestada, de ser transgredida, de ser enfrentada. Esta dificuldade está na forma que o sujeito, cada dia mais,  toma como referência de ser feliz o Outro e não mais a si mesmo e as tantas questões que o ato de viver vai lhe suscitando quotidianamente. Assim, entende que ser feliz é buscar ser como o Outro ou  parecer com o Outro que lhe parece ser feliz, como se apenas as aparências, um estado superficial e externo,  pudessem provocar um estado de felicidade. O que vemos daí são caricaturas padronizadas, pasteurizadas e vazias de manifestações de comportamentos onde a alegria parece imperar, onde não há lugar para os sentimentos mais genuínos do ser humano como angústia, tristeza, introspecção, desejo de se estar só, de não sair todos os fins de semana, de não participar de uma festa, de não viajar quando todos viajam. Deste modo deixa de olhar para as suas questões, para as suas angústias, para as perguntas que o seu estar-no-mundo lhe impõe como  questões para viver a sua singularidade, o seu modo único de ser e que não será preenchido nem resolvido copiando fórmulas ou modos que entende estão fazendo o Outro feliz.

Qual poderá ser o motivador deste modo de vida onde na busca de ser feliz as  pessoas se queixam cada vez mais de sua  infelicidade? Que motivações estão implicadas nesta busca de padronização acreditando-se que copiando quem lhe parece feliz será feliz também?

A perda da consciência de que felicidade é um estado singular a que cada sujeito está condenado a buscar em si mesmo, e somente em si mesmo, a partir do encontro com as escolhas que faz, sejam estas conscientes ou  inconscientes,  e no modo como se implica nas suas relações consigo mesmo, com o Outro e com o mundo.

O percurso de ir ao encontro de si mesmo, do conhecer-se,  é lento, as vezes incômodo, outras dolorido e é construído com a matéria prima que é o próprio sujeito e não a partir de receitas fornecidas pelo Outro em forma de sugestões de auto ajuda, receitas mágicas de felicidade, promessas mirabolantes de resolução de problemas, ou apelos a uma fé salvadora. Não há possibilidade de tomar o caminho que busca estados de ser feliz se o sujeito não estiver implicado nesta busca mesmo que ao descobrir-se como é, não seja exatamente como desejava ser, ou como gostaria de ser.

Diante do que lhe parece ser um caminho árduo – e é – impõe-se uma busca a partir de estereótipos e de uma busca voltada para o que lhe parece ser feliz no Outro quando na realidade somente o encontro consigo mesmo poderá proporcionar-lhe a paz consigo mesmo, a alegria de ser no mundo a seu modo,      a felicidade de poder Ser enquanto sujeito no mundo na vivência de suas potencialidades, de seus dons, de suas limitações e de sua realidade enquanto sujeito singular. Ora, se cada sujeito traz em si sua própria singularidade não é difícil imaginarmos que o modo de ser do Outro no mundo, embora sirva para ele, embora o faça feliz serve somente a ele. E com certeza, se atingiu este estado não foi se submetendo a impostura de copiar receitas superficiais e com promessas de resultados rápidos e mágicos para se atingir este estado de ser.

A ditadura da felicidade, auto imposta na busca de ser feliz trazendo em seu manual obrigações de ser feliz sempre, sorrir sempre, não demonstrar tristeza, nem angústia, nem desejos de ficar só afasta mais ainda o sujeito de si mesmo e o leva cada vez mais a uma insatisfação consigo mesmo provocando assim uma intensificação maior ainda nesta busca de ser feliz tornando-se então o mais cruel algoz de si mesmo e o ditador mais tirano e insensato num exercício de auto punição e provocação de punições absurdas como a de não  saber ser o que se é ao acreditar que somente seguindo os manuais oferecidos a exaustão pela sociedade é que será feliz.

A ditadura da felicidade, a obrigação de ser feliz a qualquer preço e custo é o caminho mais rápido e eficaz para que o sujeito afaste-se mais e mais de si mesmo e torne-se, ao contrário do que imagina e deseja, mais infeliz. O tirano desta ditadura é o próprio sujeito e só ele poderá, com ousadia e determinação  livrar-se deste jugo que se impôs ao não olhar para si mesmo.  A liberdade para ser feliz consiste em ir ao encontro da sua singularidade e ousar ser-no-mundo como é e não como busca seduzir-lhe o mundo com promessas vãs e superficiais. Somente você poderá libertar-se, livrar-se desta ditadura , que, como todas, é nefasta e destrutiva da individualidade e da possibilidade do ser humano, no exercício das suas potencialidades vir, de fato, ser feliz.

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