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OS ENCANTOS DO PÁSSARO AZUL

 
 
Resenha

 

foto Gilberto Rodrigues

A OBRA

FRANCE, Anatole. O Crime de Sylvestre Bonnard

239 p. – Coleção dos Prêmios Nobel de Literatura [ Prêmio de 1921]

Tradução: Álvaro Moreyra

Estudo Introdutório: Jacques Chastenet

Editora Delta – Rio de Janeiro, RJ – 1963

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Et nunc dimittis servum tuum, Domine![1] (E agora manda embora o teu servo, Senhor.) Assim, em latim, com esta frase, Anatole France termina esta obra. Assim, como se terminasse uma derradeira oração. Pronto, agora me manda embora, deixa-me ir.

Após uma história de dedicação, desencontros, amores perdidos e amores não vividos, narrada na primeira pessoa, Sylvestre Bonnard deixa-nos, no silêncio, a dúvida: quantos crimes cometera? O título da obra é posto no singular. Porém, por razões e motivações que não comportam censura, Sylvestre Bonnard cometera dois crimes. Importantes. Graves. Confessos.

Vejamos como fala destes dois crimes:

 Certa vez, sendo convidado pelo Sr. Paul de Gabry, sobrinho e herdeiro do Sr. Honoré de Gabry, par de França em 1842 e descendente de antiga família de magistrados, para inventariar a biblioteca que ficara como herança para o Sr. de Gabry, uma rica biblioteca com muitos e preciosos manuscritos, alguns datados de século XIII, relatara a este Sr. sobre o que lhe ocorrera. Após esta confidência ao Senhor de Gabry e uma longa discussão sobre o acontecido, reconhece: Pouco a pouco, porém, ouvindo os esclarecimentos tão sensatos do Senhor de Gabry, terminei por aceitar que seria condenado, não pelas minhas intenções, que eram puras, mas pela ação que era criminosa.[2] Isto se deu em 28 de dezembro de 1876. Sylvestre Bonnard não fora condenado por uma dessas ações do destino, se é que ele existe. Crime cometido, reconhecido, confesso. O Senhor de Gabry, fundamentando-se no artigo 354 do código penal da França daquela época, deixou-o sem qualquer expectativa de livrar-se de uma condenação e mostrou-lhe ainda: Veja o código penal, 21 e 28… 21: o tempo de prisão será, pelo menos, de cinco anos… 28: _ A condenação importa na degradação física.[3] Mas quem poderia denunciá-lo fugiu, também, por um crime que cometera. Neste caso, um crime idêntico. Semelhanças às vezes são mais fortes que coincidências. Não havia queixoso. Não houve denúncia. Sem crime, então? O crime fora cometido, apesar das intenções que eram puras. Mas não será julgado.

Quase um ano depois, 20 de setembro de 1877, como se desabafando para Aníbal, seu novo companheiro, que substituíra Hamílcar, na casa dos livros, sua biblioteca, Sylvestre Bonnard, referindo-se agora a uma outra situação, novamente confessa: E foi então que conheci o crime! As tentações vinham-me durante a noite; ao amanhecer tomavam conta de mim… Consumado o crime, de novo me sentava a trabalhar…[4]

A qual dos dois crimes, distintos em qualificação, época e objeto, se referia Anatole France ao nomear, no singular, sua obra?[5] Terá, intencionalmente, deixado para o seu leitor a árdua tarefa de classificar qual teria sido o crime cometido pelo seu personagem? Terá desejado levar-nos à reflexão sobre a qualidade deste tipo de crime e de como deveríamos nos comportar ao julgarmos o Sr. Bonnard? Ou não intencionou nada disso? Mas o Senhor de Gabry, preocupado com o destino do amigo e os rumos que poderia tomar a sua sorte, se um processo fosse aberto, alerta-o, preocupado, caracterizando a gravidade de um dos crimes: Pelo amor de Deus e pelo seu interesse, não faça nada! Seu caso é péssimo; fique quieto para não torná-lo pior. Prometa-me apenas concordar com tudo o que eu fizer.[6] E o Sr. Bonnard, impassível porém convicto, perseverava: tinha medo, mas não tinha remorsos nem arrependimento.[7]

O Sr. Sylvestre Bonnard, à época dos crimes, conforme minha leitura, ou do crime, conforme sugere Anatole France, estava com setenta anos de idade. Quanto a sua profissão, ele mesmo nos conta: nada há para mim no mundo, além de palavras, tanto me tornei filólogo. Cada qual faz como pode o sonho da vida. O meu é feito na biblioteca; e, quando chegar a hora de partir do mundo, Deus me encontrará na velha escada, diante das prateleiras cheias de livros.[8]

Desconheço alguém que nutrira tanto afeto, cuidado e dedicação ao livro. Sua vida era constelada pelo seu manuseio, busca incessante de exemplares valiosos e arroubos de prazer quando do achamento de algum que rareava longe de sua casa de livros.

Cada um daqueles livros, daqueles alfarrábios, ficava totalmente marcado, como se fizesse uma identificação personalizada, pelo polegar, já curioso por força de hábito, daquele homem estudioso como se perscrutasse segredos já desde o seu manuseio. O livro não lhe bastava somente enquanto objeto de leitura, mas além disso, de descobrimento de si mesmo, de angústias importantes que lhe traziam páginas misteriosas e de encontros de segredos e explicações sobre a vida, o mundo e o universo.

Sylvestre Bonnard era um homem nobre, com intenções nobres e ações nobres. Havia nobreza até nos seus crimes. Porém, apesar de tanto, era um criminoso. Viveu uma vida simples, entre poucos personagens, além daqueles que lhe apresentavam os seus alfarrábios. Por manuscritos, garimpava notícias de seus paradeiros nos seus catálogos, percorria léguas e léguas sem medir esforços. Na simplicidade de suas buscas, valores profundos, por simples mesmos, obrigam-nos a reflexões profundas.

 Esta obra é dividida em duas partes. Na primeira Anatole France nos conta a saga de Sylvestre Bonnard para conseguir A Legenda Dourada, de Jacques de Voragine; tradução francesa do século XIV, pelo clérigo Jean Tontmouille.[9] Tomou conhecimento dessa obra através de um catálogo de manuscritos, redigido em 1824, pelo Sr. Tompson, bibliotecário de Sir Thomas Rualeigh. Em sua casa conviviam, entre afagos e ronrons, seu amigo Hamílcar e Thèrése, a governanta.

Num desses dias, que a vida deixa como se tudo fosse absolutamente comum, o Sr. Bonnard é incomodamente interrompido das buscas em seu catálogo, por um tal Sr. Coccoz. Um consultor de livraria. Esta visita é importante, pois além de descrever um belo diálogo em torno das mesmices do dia-a-dia, sensibiliza o Sr. Bonnard para a esposa do Sr. Coccoz, que encontrava-se grávida e morava, provisoriamente, no sótão do seu casario. Compadecido da situação daquela jovem, o Sr. Bonnard encarrega Thèrése, sua governanta de, naquela noite, chamar o amigo servente e pedir-lhe para apanhar, no depósito de lenha, uns bons cavacos de lenha para aquecer o domicílio dos Coccoz. E, principalmente, que ela escolha entre as achas, a maior, uma autêntica acha de Natal. Tempos depois, a Sra. Coccoz enviuva-se e em seguida casa-se com o Príncipe Trepof.  Esta obra já torna-se merecedora da partilha do nosso tempo, por mais precioso que este possa ser, somente pelo prazer de vermos como a então Princesa Trepof presenteia Sylvestre Bonnard com a sua Legenda Dourada. Vejamo-lo ao abrir o presente. É ele quem nos relata:

É um embrulho grande, mas não muito pesado. Tiro, na biblioteca, as fitas, o papel que o envolve. E encontro… quê? Uma acha de lenha, uma grande acha de lenha, uma verdadeira acha de Natal tão leve porém, que acredito esteja ôca. Com efeito, descubro que é composta  de dois pedaços, unidos por uma espécie de fechadura, fácil de abrir. Abro-a e sou coberto de violetas. Caem na mesa, nos meus joelhos, no tapete, entram-me pelo colete, pelas mangas. Fico todo perfumado.

[…] Tirei as violetas da acha de lenha e elas espalharam-se pela mesa com a sarça que as acompanhava, toda aromada também. Há ainda qualquer coisa na acha… um livro…um manuscrito. É … não posso acreditar e não posso duvidar!… É A Legenda Dourada. É o manuscrito de Clérigo Jean Toutmouillé.[10]

 Permeiam ainda esta primeira parte da obra, um alfarrabista, o príncipe, colecionador de caixas de fósforos e atual marido da ex-Sra. Coccoz, o tio Victor, um capitão em Waterloo e uma boneca. Uma boneca cobiçada por Sylvestre Bonnard. Fascinava-o esta boneca quando tinha oito anos de idade. Sua sensibilidade conduzia-o para o belo independente de atrelar ou não seus modos pelos costumes e pelos comportamentos que os padrões discriminavam e catalogavam como usuais, considerando, de forma discriminatória e preconceituosa, o que seria mais ou menos adequado a cada sexo. Algumas almas mais nobres vagueiam por sobre esses determinismos. E ele queria esta boneca. Os hércules têm fraquezas,[11] consolava-se. Mas, caro Sr. Bonnard, por isso mesmo, por não temer as fraquezas, Hércules. Vejamos como nos conta este episódio, marcante, provavelmente, de sua vida:

Revejo com  singular precisão uma boneca que, nos meus oito anos, estava exposta numa loja feia da rua de Seine. Como aconteceu que essa boneca me fascinasse, não sei. […] Meus soldados, meus tambores não me interessavam mais. A boneca era tudo para mim[12]. Um dia, passeando com o seu tio Victor pela rua onde ficava a loja que tinha aquela boneca, com a saia florida, as bochechas vermelhas e as pernas esticadas resolveu tentar que o tio lhe fizesse dela um presente:

_ Tio, o senhor compra essa boneca para mim?

_ Comprar uma boneca para um homem! Queres perder a honra?[13] E é essa bruxa que desejas? Pede-me um sabre, pede-me um fuzil, e eu os pagarei com a última moeda do meu soldo de reformado. Mas, comprar uma boneca, raios te partam! Desmoralizar-te! Nunca! nunca! Se te visse brincar com uma rameira ataviada como essa, senhor filha da minha irmã, não te reconheceria mais como filho da minha irmã.[…]

Tomei ali uma resolução. Jurei a mim  mesmo não me desonrar; desisti, firme e para sempre, da boneca de bochechas vermelhas. Conheci, nesse dia, a austera doçura do sacrifício.[14] 

O que ficara plantado, profundamente, ali, na alma daquela criança?

Ainda naqueles devaneios, por onde passeava em busca de reminiscências, deparou-se, além da boneca, com Clémentine. Aquela filha de um amigo de seu pai, a avó de Jeanne Alexandre e a única mulher que amara em toda a sua vida. Clémentine foi-se, casou-se, morreu. Compreendi que o que tinha amado não era mais que uma sombra. Mas a lembrança desse amor ficou sendo o encanto da minha vida.[15] O encanto agora era Jeanne Alexandre. Qualquer dificuldade que pudesse se interpor entre os dois seria, sem dúvidas, interpretada como causadora de desencanto. Houve interposições. Houve um crime. Que crime poderia ter cometido Sylvestre Bonnard? E afinal, o que é um crime?

 II Parte

 Não saberia dizer por que nem por quanto tempo os meus olhos estavam fixos, sobre o velho in-fólio, quando foram arregalados por um espetáculo de tal maneira espantoso, que um homem como eu, sem fé no sobrenatural, assim mesmo tinha que ficar estupefato.

Vi, de repente, vinda não sei de onde, uma mulher sentada no dorso do livro, um joelho dobrado e uma perna pendente, …Era tão pequena que seus pé balançando não chegava até à mesa sobre a qual se estendia em dobras a cauda do vestido. Mas o rosto e as formas eram de mulher adulta.[16]

Três dias depois, ao retornar de uma viagem:

Dirigi-me ao salão maior sem ver ninguém. O castanheiro, que ali estendia suas grandes folhas, deu-me a impressão de um amigo. Mas o que vi em seguida, sobre o consolo, tal surpresa me causou que reajustei com as duas mãos os óculos no nariz e me apalpei para ter a noção, ao menos superficial, da minha própria realidade. Mais de vinte idéias vieram-me num segundo ao espírito, e a mais teimosa era a  de que eu tinha ficado doido. Parecia-me impossível que o que eu estava vendo existisse, e, ao mesmo tempo, era impossível que eu não o enxergasse como uma coisa existente.

[…]

Rendi-me, afinal. Não duvidei mais, diante de mim, estava a fada, a fada do meu sonho na biblioteca

A voz da Sra. de Gabry chegou de súbito aos meus ouvidos:

_Está examinando a sua a sua fada, Sr. Bonnard? Acha-a parecida?[17]

Ah! Como esse mundo é mesmo pequeno. E redondo. Nos romances assim como na vida! Você já sabe quem foi a artista que materializou a visão do Sr. Bonnard, deixando-o atônito? A neta de Clémentine, Jeanne Alexandre.

Jeanne Alexandre perdera, como já sabemos, a mãe, e ficou só, sem alguém que lhe cuidasse.  Fez-se seu tutor um tal Sr. Mouche que a internara sob a responsabilidade de Mademoiselle Préfère. Virgínie Préfère. Quando Sylvestre Bonnard a viu, fez dela a seguinte descrição: uma criatura curiosa. Caminhava sem levantar  as pernas e falava sem mexer os lábios.[18] Mademoiselle Préfère dirigia o colégio da Rua Demours que recebia as filhas das melhores famílias, dava lucro e era muito conceituado.[19]

Sylvestre Bonnard, após uma visita ao Sr. Mouche, tutor da Srta. Jeanne, conseguiu uma autorização para visitá-la na primeira quinta-feira de cada mês. A impressão do Sr. Mouche sobre a Srta. Jeanne: ela é indomável.

Isto tudo deu-se porque, a partir do momento em que ficou sabendo que Clémentine, seu único e grande amor,  deixara uma neta, e que esta poderia ser sua, resolveu investir o que lhe restava de sua vida, para cuidar de “sua” neta, tornando, a partir de então, sua grande, senão única, razão para viver. Determinado, como se fizesse desta resolução sua sina, daquelas que se obriga ao cumprimento, obcecado, não aceitaria qualquer senão, ou não, ou dificuldade, para que tal sina se cumprisse. Sylvestre Bonnard trocaria sua alma, se necessário, pela possibilidade de cuidar dessa jovem que vinha, em sua vida, como se a lhe trazer uma nova e profunda razão para viver: a relembrança de um amor não vivido. Como relembrar do que não houve? Relembramos dos sonhos, lembranças perfeitas. Por isso mesmo perigosas, pois não se parecem com a vida, onde nada pode ser perfeito.

E obstáculos não faltaram para dificultar seu intento: um tutor inescrupuloso e uma diretora insensível e interesseira – que após tentar se casar com o Sr. Bonnard, sem sucesso, afasta drasticamente da Srta. Jeanne. E para suas intenções, boas, até a lei tornara-se empecilho, pois não lhe facultava que seu desejo simplesmente se realizasse.

Superados todos os obstáculos, inclusive do julgamento por um crime cometido, Sylvestre Bonnard consegue levar Jeanne Alexandre para sua casa e casá-la com Henri Gélis, um aluno do terceiro ano da Escola de Arquivística. Tudo parecia prenunciar um final feliz.

O Sr. Bonnard muda-se para Brolles. Minha casa é a última que aparece na rua da aldeia, antes da floresta. É uma casa de fachada pontuda cujo teto de ardósia, batido pelo sol, toma todas as cores. O cata-vento, no meio do telhado, dá-me  mais consideração entre os camponeses do que todos os meus trabalhos de História e de Filologia.[20] Nesta casa era mantido um quarto para quando Jeanne e Henri viessem visitá-lo e nele, um berço para o jovem Sylvestre Bonard. Haviam-no convidado para padrinho e o homenagearam, dando ao filho o seu nome.

Eu lhe contava histórias. O pequeno Sylvestre ouvia-as feliz. Gostava de todas, mas principalmente uma maravilhava a sua alminha: a história do Pássaro Azul. Quando eu terminava, tornava a pedir:

_ Conta, conta!

Eu contava outra vez e sua cabeça pálida, de veias salientes, caía sobre o travesseiro.

A resposta do médico a todas as nossas perguntas era sempre a mesma:

_ Ele não tem nada de extraordinário.

Não… o pequeno Sylvestre não tinha nada de extraordinário. Uma noite do ano passado o pai desceu ao meu quarto:

_ Venha depressa; ele está pior. Aproximei-me do berço. A mãe parara ali, presa por todas as forças da sua alma.

O pequeno Sylvestre volveu lentamente para mim os olhos que se pagavam sob as pálpebras já imóveis, e murmurou:

_ Padrinho, agora tu não precisas me contar histórias.

Não, agora eu não precisava lhe contar histórias!

Pobre Jeanne! Pobre mãe!

Estou velho demais para continuar muito sensível; mas, na verdade, é um mistério doloroso a morte de uma criança.

[…]

Et nunc dimittis servum tuum, Domine![21]

 Caro leitor, se a curiosidade sobre qual é o crime de Sylvestre Bonnard, a que o título da obra se refere, lhe inquieta a alma, tome em seu colo o livro de Anatole France e descubra-o. Será, tenho certeza, um achado prazeroso. Mas, tome em seu colo essa obra por uma outra, e muito mais importante razão: não cometer o crime de não ler essa obra de Anatole France. Use a sua argúcia, perscrute a sua curiosidade e renda-se … é, indubitavelmente, uma grande obra. Divirta-se.

Quero ainda um fio da sua atenção, caro leitor. Confesso-lhe que causou-me surpresa perceber o quanto, em nossos dias, Anatole France é desconhecido. Mesmo no meio daqueles que são afeiçoados e íntimos de grandes obras da literatura universal. Se você é um amante da boa leitura, redescubra-o. Se não é ainda dado a esses amores, leia-o e se encantará.

No campo das letras, as reputações se fazem e desfazem a toda pressa; os mestres que ontem eram os mais venerados, hoje são desprezados. Anatole France padece do nosso desprezo. Poucos o conhecem ou sabem alguma coisa sobre a sua obra, ou leram alguma delas. Apesar de que Anatole France é mais para ser saboreado que para ser lido…

Anatole France nasceu Anatole Thibault a 16 de abril de 1844, em Paris.Seu pai, François-Noël Thibault, oriundo do Anjou, tinha no Cais Malaquias, um mostruário de alfarrabista com a tabuleta “Livraria de França”. ( Daí, sem dúvida, mais que de um impulso de orgulho, o pseudônimo que o filho adotará).

A especialidade da casa é a revenda de obras, caricaturas e manuscritos relativos à Revolução. Ali Anatole tomará gosto pelos velhos papéis e as doutas conversações.

Anatole France aos 12 de outubro de 1924, ao cabo de penosa agonia, solta o derradeiro suspiro.

Sobre a obra reproduzo aqui o que escreveu Jacques Chastenet, da Academia Francesa:

1881: Anatole France vai fazer trinta e sete anos, e sua reputação ainda não ultrapassa os limites de um estreito cenáculo. Mas eis que em abril a publicação  de um novo livro, O Crime de Sylvestre Bonnard, Membro do Instituto ( do qual tinham aparecido capítulos em diversos periódicos) granjeia-lhe de golpe a notoriedade. A Academia Francesa premia a obra.

Mais do que um romance, O Crime é a justaposição de duas longas novelas dispostas em torno de um mesmo personagem central, o erudito Sylvestre Bonnard, velho pela idade, jovem pelo coração, eloqüente, espirituoso e, em suma, delicioso. A dupla historieta é assaz tênue, e não lhe faltam inverosimilhanças. Que importa! A linguagem é constantemente pura, viva, requintada sem preciosismo; as cenas sucedem-se, ora agradáveis, ora enternecedoras, jamais pesadas; os quadros desfilam – cais de Paris, paisagens sicilianas, pitorescos interiores – sempre de uma extrema segurança de toque; comparsas agitam-se, descritos com segurança de mão.

Talvez, com o recuo dos anos, tanta inteligente elegância se mostre um pouco desbotada. Só um pouco. O Crime de Sylvestre Bonnard  é uma incontestável obra-prima, e merece permanecer como regalo para espíritos finos.[22]


[1] p. 230 ( E agora manda embora o teu servo, Senhor.)

[2] p. 211

[3] p. 209

[4] p. 226

[5] Título do original francês: LE CRIME DE SYLVESTRE BONNARD

[6] p.211

[7] p.212

[8] p.117

[9] p.84

[10] p.110

[11] p.77

[12] p.77

[13] Abdicar de uma boneca pela honra. Não seria já, prematuramente, a indução leviana e cultural, daquela criança ao mundo dos crimes mais perversos que o homem pode cometer, pois faz de si mesmo, sem o saber, o que é pior, objeto de seu próprio crime?

[14] p.79

[15] p.117

[16] p. 124

[17] p. 131

[18] p. 158

[19] p.172

[20] p.228

[21] p. 230

[22]  p. 38

One Response to “OS ENCANTOS DO PÁSSARO AZUL”

By Kaio - 23 janeiro 2012 Responder

Terminei há alguns minutos de ler “O Crime de Sylvestre Bonnard”, e, em busca de resenhas sobre esta obra, encontrei a sua, da qual gostei bastante!

Concordo contigo: Anatole France é um autor injustamente desconhecido e subestimado. Mesmo o grande crítico literário Otto Maria Carpeaux o desprezou, nas duas páginas que dedicou a ele em sua “História da Literatura Ocidental” (parte IX, cap. 1); chegou a acusá-lo de “evasionismo barato”!
(É a 2ª vez que discordo do Carpeaux – antes eu já havia me indignado com as críticas que ele fez a Thomas Mann, hehe)

Descobri Anatole France por acaso na semana passada, quando encontrei “O Crime de Sylvestre Bonnard” por apenas 10 reais numa Livraria Leitura em Brasília. Não foi tanto o preço, mas o instigante prefácio de Marcos de Castro (a minha edição é a da Record, lançada em 2007 pela coleção “Grandes Traduções”) que me estimulou a comprar o romance.
Em poucos dias terminei esta prazerosa leitura. Identifiquei-me bastante com Sylvestre, pois também sou um “book worm”, hehe. Anatole escreveu uma obra que prima pela elegância do estilo e pela coerência interna, pois tudo se relaciona – mesmo um pequeno detalhe no início de um capítulo (p.ex., a fada ou a acha de lenha) pode mais tarde se revelar decisivo para o desenrolar da trama.

Mais uma vez, parabéns pela resenha!

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