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Sobre o Perdão

foto Gilberto Rodrigues

 

O que é exatamente o perdão?

O perdão é um ato de modificação de um sentido que fora dado a um fato, a uma circunstância  que tenha provocado mágoa, dor, angústia ou uma tristeza profunda. Perdoar é, em última análise, re-significar o passado. Não podemos alterar  os fatos que nos aconteceram no passado, mas podemos, com certeza modificar o seu significado, o seu peso, a sensação de dívida que aquele fato tenho deixado em nós. É verdade sim que os fatos passados são inalteráveis, não podemos desfazer o que fora feito, nem fazer de contas que o  que aconteceu não tenha acontecido. Mas o sentido que nós atribuímos ao que aconteceu, quer tenhamos sido nós a fazê-lo, ou tenhamos sido nós a sofrê-lo, pode ser a alterado, modificado. Ao alterar este fato, estamos perdoando.

Em que situação ele realmente acontece?

Ele acontece quando há uma predisposição, uma vontade, uma determinação, de quem pode perdoar, de assim fazer. O perdão é um ato de maturidade, de caridade. Perdoa quem busca compreender as razões, os motivos daquele que causou, digamos assim, a “ofensa”. Perdoar é um ato de dignidade, não um ato menor, de pequenez, de pessoas rancorosas e que entendem que ainda deve prevalecer a lei do olho por olho, dente por dente. Apenas os fortes perdoam. Os fracos ficam imaginando formas de vingar-se, de descontar, e o que estes não sabem é que só eles padecem com esta atitude e ficam ainda mais pobres. O perdão é um ato que liberta, um gesto que regenera quem perdoa perante si mesmo.

Algumas pessoas dizem que perdoaram, mas não esqueceram. Isso é possível?

Esquecer muitas vezes significa fugir, deixar de encarar o fato que carecia de perdão. O perdão não pressupõe o esquecimento. Costumamos esquecer o que tem pouca ou nenhuma importância. Não podemos imaginar que algo que tenha deixado marcas a ponto de exigir um gesto de perdão seja insignificante, seja sem importância. É importante nos darmos conta de que é muito provável que não tenhamos que esquecer quando perdoamos, mas que nos lembraremos daquilo que fora perdoado com outros olhos, de um outro modo, com um outro significado. Ao perdoar podemos voltar ao convívio. O esquecimento leva ao afastamento pois a cada reencontro a lembrança será ativada, enquanto que no perdão, a presença é possível pois será, após o perdão, re-significada. O passado não foi modificado mas o sentido dado ao que ocorrera é novo. Isto é perdoar. Esquecer é jogar debaixo do tapete, e isto não modifica o sentido de nada, não altera nada, não re-aproxima as pessoas. E aqui reaproximar pode ser visto como reaproximar do outro ou de mim mesmo.

 Quais são os principais benefícios do perdão?

Os principais benefícios do perdão são a paz, a harmonia, a concórdia entre os povos. Sejam estes povos os de uma nação, sejam estes povos os vizinhos de uma rua ou  queles que convivem numa mesma casa. O perdão faz com que a pessoa que perdoou, ao re-significar o que lhe tenha causado dor e sofrimento, ou re-significar a dor e o sofrimento que tenha causado a si mesmo ou a outrem, possa ficar em paz consigo mesma.

 Por que é tão difícil perdoar?

 Porque ainda estamos pouco evoluídos para as relações humanas. Não podemos nos esquecer que ainda há poucos séculos as pessoas falavam muito mais em fazer com que quem cometesse um erro pagasse do que tentar uma compreensão para o que havia acontecido. Perdoar  significa olhar para o outro também, buscar compreender as razões dos desmandos cometidos pelo outro. Não quer dizer aceitação, mas compreensão. O fato de perdoar não significa aceitação ou concordância.

 Fale sobre a re-significação do passado. De que maneira isso ajuda a pessoa a perdoar aos outros e a si mesma?

Re-significar o passado é tentar olhar para o que houve de um outro modo, por um outro ângulo, por uma outra ótica. Isto significa a compreensão de que há outros pontos de vista para se olhar um mesmo fato, uma mesma coisa. Se a pessoa entender que o seu modo de ver o mundo é o único que está certo esta pessoa terá dificuldades para re-significar alguma coisa que lhe tenha causado amargura, dor, sofrimento. Isto ajuda a pessoa a ser mais tolerante e compreensiva com os outros e consigo mesmo. São pessoas que sofrem menos. Ao contrário, aquelas que têm dificuldade de olhar o mundo por um ângulo que possa não ser o seu são pessoas amargas, rancorosas, ranzinzas e normalmente amargam a solidão de conviverem consigo mesmos e com o seu rancor pois se tornam insuportáveis para o convívio. Re-significar o passado só ajuda. Mas é preciso coragem, humildade e determinação para fazer isso. Só os fortes perdoam. Os fracos se escondem atrás da própria covardia e entendem que só eles estão certos. Quem não perdoa vive só.

Alguns especialistas afirmam que o perdão faz bem à saúde. Você concorda com essa afirmação. Por quê?

Sim. Faz muito bem à saúde. Tanto física quanto psíquica. Porque perdoar é livrar-se de um incômodo silencioso e persistente que acompanha aqueles que não perdoam, ao longo da sua vida. Este incômodo faz mal a quem o carrega, a quem o alimenta, a quem o sustenta. Perdoar é livrar-se deste amargor. Seja perdoando ao outro, seja se perdoando. O efeito do perdão é o mesmo, seja para si mesmo, seja para o outro. O passado que precisa ser re-significado não tem dono. Pode ser o meu, o seu  ou o nosso, e carregar rancores por conta de um modo de decifrá-lo é sofrer, é carregar dores que nos impede de ver com olhos livres de amargor, o presente.

 É possível perdoar o outro sem se perdoar?

Entendemos que não. Só quem perdoa pode re-significar o passado, dar um novo sentido a algo que ocorrera e causar dores, amarguras, incômodos e pesares. Como podemos imaginar alguém re-significando algo se não olhar para dentro de si mesmo. Quem perdoa o outro com certeza sabe perdoar-se. Poderíamos dizer o seguinte: quem não sabe se perdoar, não sabe perdoar o outro.

 Perdoar é um exercício?

Sim, perdoar é um exercício. Um exercício que, para aqueles que acreditam no perdão, na nobreza deste gesto, deste ato, desta conduta, deve ser praticado quotidianamente. O mundo em que vivemos hoje está nos colocando o tempo inteiro diante de novos modos de olhar os fenômenos que circunscrevem o nosso dia-a-dia.Mais do que nunca  da coisa pode ser vista de vários modos. As informações disponibilizam novos modos de olhar para as coisas que nos cercam, que nos acontecem. Por isso podemos estar o tempo inteiro sendo requisitados a rever nossos pontos de vista, nossas óticas, a re-significar.

Por que algumas pessoas têm mais facilidade para perdoar que outras?

É importante considerarmos uma coisa. Ainda há muita gente que entende o perdão como um ato fraqueza e não como um gesto de nobreza possível apenas para os fortes. Há fatores culturais, que não dá para abordar neste ocasião, que instigam as pessoas a uma valentia e a uma busca de certeza como significado de ser forte. Além disso somos um povo ainda frágil com relação aos valores que sustentam as relações entre pessoas, a natureza, o mundo. Ainda temos uma parcela significativa da nossa sociedade que vive sob a égide da lei de Gerson. De que o importante é levar vantagem em tudo. É só vermos o noticiário para ver com agem os nossos representantes de modo geral. Ao mesmo tempo ainda se pensa que perdoar é voltar atrás, é ser fraco, é ser bobo quando é exatamente o contrário. Isso quer dizer que ainda devemos falar muito de perdão para que este valor, este fenômeno, genuinamente humano, possa ser visto como algo nobre, que valha a pena. Além disso é importante considerarmos a estrutura psíquica e emocional de cada sujeito. Porque ela também  influencia a maneira ver e de se relacionar com o mundo.  E esta estrutura decorre em parte do nosso processo de formação, da nossa educação para a vida. É necessário ainda considerarmos a necessidade do auto-conhecimento, pois é na maturidade que o perdão pode desabrochar. Há algo que de tão óbvio não damos conta muitas vezes: só enxergamos com os nossos olhos. Sendo assim precisamos cuidar para podermos olhar cada vez melhor o mundo, cuidar de nós mesmos, do nosso modo de olhar. Por estas razões algumas pessoas têm mais dificuldade e outras mais facilidade para falar e praticar o perdão. Você consegue imaginar um troglodita perdoando? Ou aquele que se acha dono das verdades do mundo? Perdoar é para os nobres de alma e de espírito, para aqueles que estão se encaminhando para uma maturidade emocional, para uma nobreza de propósitos, para se tronarem, de fato, seres humanos.

Artigo publicado na revista VITRINE, dezembro 2011, n. 25, ano 3 – www.revistavitrine.com.br

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