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Ensina-me a comer!

foto Gilberto Rodrigues

Crônica

 

Acabei de sair do consultório da minha nutricionista. Ufa! Que alívio. Por quê? Há tempos fugia dela. Quanto arrependimento! Há cinco meses tive uma “complicação” cardíaca, fui pro hospital, fiz cateterismo, meu irmão avisou meus familiares e dois dias depois saí. Eu estava bem. Os exames me liberaram. Aliás, esses exames! Mas aí começou um patrulhamento implacável e com certeza bem orquestrado, para não me deixar com dúvida alguma sobre o que eu deveria fazer daí em diante. O cardiologista disse que eu deveria perder 40 quilos. Meus filhos que eu não poderia mais beber. O amigo que eu deveria matricular-me na academia. Minha mãe preocupava-se se eu ainda fumava ou se havia parado. Meus irmãos que eu tinha que mudar meus hábitos alimentares. Minha ajudante aqui de casa que eu deveria dormir mais. Minha namorada que eu deveria tirar férias e trabalhar menos. Minha chefa na escola onde dou aulas que eu deveria descansar porque o cansaço afeta a memória. E eu acuado não sabia o que fazer, mas sabia que tinha que fazer alguma coisa porque qualquer coisa que me ocorresse doravante, até mesmo um óbito, seria de inteira responsabilidade da minha displicência. Eu parei de fumar, diminuí a ingestão alcoólica, matriculei-me na academia, aumentei as folhas do almoço, colori a salada, comprei mais algumas frutas e… Nossa! Quanto sacrifício. Acho que já dá pra perceber que estou me empenhando. Que nada.

E a nutricionista, já marcou? Já foi a nutricionista? Quer que eu marque a nutricionista? Eu já falei com minha nutricionista e ela está te esperando… Eu escapava: Vou marcar. Estou arrumando umas coisas óbvias antes… Deixa-me parar de fumar primeiro… Espera pra eu me adaptar a ausência do álcool… Mas, em vão. E tudo de novo: E a nutricionista, já marcou? … Vou poupá-lo caro leitor, não quero que passe pelo que passei. Uma repetição interminável. E tudo para o meu bem. Era por amor, eu sei, mas repetiam. Nunca me senti tão amado.

E lá vem o destino fazer coro aos meus amores. Num posto de gasolina encontro-me desavisadamente com a nutricionista. Puxou-me as orelhas e ali mesmo já teve início a sedução: Agora é diferente,os conceitos mudaram, etc. etc. etc. Eu lhe falei de minhas tentativas fracassadas de agendamento, expliquei, justifiquei, disse-lhe que estava me acertando, que estava bem, mas de nada adiantaram meus argumentos. Dê-me seu telefone, ela disse. Agora danou-se, pensei.

Fui para casa injuriado. Já conhecia aquela nutricionista de outros tempos. À noite sonhei com calorias, tropecei na balança, me enrosquei na fita métrica e vi um prato de verduras com um bife grelhado acenando pra mim… Por outro lado alfaces me perseguiam, torresmos debochavam de mim, os ingredientes da feijoada faziam orgia sobre a mesa, a leitoa a pururuca ameaçava sair do forno, minhas cachaças comemoravam sem mim, as latinhas de cerveja batucavam em festa.  Se veriam livres do meu apetite.

Alô!Sim , entendi, estou indo. E num é que ela arrumou um buraco na agenda dela pra mim. Fui. Não fosse pra ver. Duas horas e meia de consulta. Que arrependimento por não ter ido antes, por ter relutado tanto. O conceito de dieta mudara mesmo. Se eu comer tudo e na quantidade que ela sugeriu com certeza vou engordar. Certifiquei-me se ela havia compreendido bem que eu deveria emagrecer e não engordar. Ela garantiu-me que sim. Vou ter uma ração diária maior, mais saborosa e mais saudável que aquela que vinha tendo há anos. A não ser nas extravagâncias regadas a uma boa cachaça e cerveja gelada. E ela, pacientemente, explicava-me: engordamos porque comemos pouco e então nosso organismo precisa guardar o máximo possível de nutrientes para dar conta de nossas atividades, da nossa sobrevivência. Emagreceremos se comermos bem e de forma saudável, pois assim o nosso organismo sinalizará para o nosso cérebro informando-lhe que não precisa guardar nada, não precisa fazer estoques, pois o estamos abastecendo sempre e corretamente. Pensei comigo: tem lógica. Faz sentido.

Comecei hoje minha dieta. Ela disse-me que se a seguir certinho em seis meses pesarei vinte quilos a menos. Mas eu confesso: não é nem pelos vinte quilos a menos que me empenharei. O coro dos que me gostam me venceu e convenceu. E eu quero continuar me sentindo gostado, mas sem aquele patrulhamento. Meu coração também é muito grato. Vou ser um ser saudável, sem me preocupar com calorias… Isso não é inacreditável!

Tbt, 20/10/2011

4 Responses to “Ensina-me a comer!”

By Guilherme - 27 outubro 2011 Responder

Gilberto,
muito gostoso de ler seu texto! Essa tem mais cara de crônica do que aquela da biblioteca, talvez pelo tom informal que você deu a ela. Humberto Werneck define a crônica como sendo uma conversa boa. Rubem Braga foi além, disse que “se não for aguda, é crônica”. E é isso aí. O lance é fazer o leitor se interessar por assuntos banais que, à primeira vista, não interessam a ninguém.
Abração!

By cindy - 16 novembro 2011 Responder

kkkkkk adorei… agora entendi a pressão psicológica e a demora pra começar a se cuidar… vai fundo… 🙂

By Rose Souza - 8 novembro 2016 Responder

É isso mesmo, vamos quebrar o “preconceito” de dieta… É bom e divertido!!! Aprendemos que é possível ser feliz comendo uma lasanha de berinjela e tomando um suco de couve com laranja…

By Marcelo - 23 maio 2017 Responder

Eita colega também estou nesta peleja, suas palavras ajudam a mim e espero que aqueles que pretendo atender num aproximação entre a psicologia e a nutrição. Abraços.

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