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7 dias de castigo

Crônica

(c) Tomado de http://data1.blog.deEstou a menos de quatro anos de tornar-me um sexagenário. Já estou pelas abas da proteção da lei do idoso. A qual não posso recorrer agora, apesar da minha indignação. Não tenho lá muitos cabelos brancos, ainda, mas os poucos que escorrem entre tantos outros me fazem lembrar já longínquos tempos, relembrar estripulias, paixões, lugares e comportamentos. Achava eu (quem mandou achar? – De achar morreu um burro, diria meu pai) encontrar-me já livre da possibilidade de ser submetido a muitas coisas que eram até comuns na infância, até na adolescência, como ficar de castigo, por exemplo. Só achava, pois estou de castigo. Sete dias. É isso mesmo! Sete dias de castigo. Impedido de buscar amigos novos, de relacionar-me, de ampliar meus relacionamentos, rever velhas e saudosas relembranças… Não sei descrever o que estou sentindo. Vergonha? Constrangimento? Sinto-me humilhado? Um pouco de tudo isso. É estranha essa sensação porque talvez não me imaginasse mais sendo posto de castigo. Ainda mais de uma forma tão fria, brusca e insensível. Mas não para aí: não tenho a quem recorrer. Não há a quem possa levar minhas razões, meus argumentos, minhas justificativas. Estou totalmente impotente, vendo-me sem alternativas, além de cumprir a sentença anunciada. Que coisa mais absurda! Como alguém ousa tanto: você está de castigo e pronto. Tamanho autoritarismo faria morrer de inveja o mais cruel dos ditadores, a esposa mais enciumada, o marido mais culpado e até o adolescente que acabou de vestir suas primeiras calças compridas. Ah, e tem mais: há um complemento no enunciado do castigo: se você não for obediente este tempo poderá ser aumentado. Isso é ameaça! Imagina… Estou sendo castigado, ameaçado, tendo meu direito de defesa cerceado e não posso fazer absolutamente nada. Agora, em pleno século XXI isto acontece, assim, sem cerimônias, comigo, cidadão honesto, honrado, impostos recolhidos, contas em dia,  trabalhador, estudioso… Não adianta greve de fome, convocar um bando de desocupados para solidarizarem-se comigo numa barricada, fazer um abaixo-assinado, invadir o palácio da rainha, nada, nada há o que possa ser feito. Estou condenado irremediavelmente, e sem direito de defesa, ao meu castigo.
Porém, não é a indignação do castigo de sete dias o que me causa espécie. É o estarrecimento quanto ao que nos acontece. Seria isso argumento de alguém que já passou dos cinqüenta? Espero que não.
Eu tenho amigos de longa data espalhados por este país. Já fiz andanças pelo mundo da viola, conheci violeiros, cantadores, e apreciadores chãos afora. Além de tudo isso carrego muitos preconceitos, alguns mais radicais, outros mais brandos, mas preconceitos. E sempre ouvi dizer que isso não dá certo, que não é politicamente correto, então sempre tento rever meus conceitos e ir me acertando no cotidiano que está aí pra ser vivido. Tempos atrás, tempo pouco, apareceu no nosso meio esse tal de face book. Garrei com meus preconceitos: isso é coisa de desocupado, de quem não tem o que fazer, só tem bobagem, é só fofoca, fica todo mundo se expondo e o resto fica de curioso sobre as exposições alheias. Eu? Adicionar você? Não sei o que é isso e nem quero saber. Vê lá se alguém com minha cultura, meu nível social, meu reconhecimento profissional vai estar vinculado a esse tipo de coisa? Então, até para não ficar tão fora do mundo “eletronizado” resolvi montar um blog. Vou postar lá meus poemas, minhas resenhas, artigos, entrevistas, crônicas, fotografias, etc. Analfabeto que sou, chamei um colega pra me dar uma mãozinha. Veio. Viu. Gostou do que viu e sugeriu: por que você não abre uma página no face book? Vai ajudar você a divulgar seu trabalho, seu blog. Eu? Nem pensar! E já desfiei meus argumentos… Ele, pacientemente, deixou-me terminar todos aqueles absurdos e disse-me: olha o face é apenas uma ferramenta. Se vai ser algo produtivo ou fútil, para fofocas ou para trocas de idéias, se vai ser sério ou não, vai depender de quem o usará. Calei-me. Quanta asneira havia sustentado com ares de sabedoria e profundo conhecimento. Abri minha página no face.  Comi melado. Lambuzei-me inteiro. Vi ali pessoas incríveis. Adicionaram-me pessoas da maior importância do mundo das letras, das ciências jurídicas, da psicanálise, da psicologia, da música, da moda de viola, parentes e amigos de outrora. Estava encantado. E envergonhado. Quanto preconceito idiota. Aliás, todo preconceito é idiota. Fui adicionar mais pessoas. Era de uma riqueza aquele mundo que me vi criança solta para o mundo pela primeira vez. Veio o primeiro aviso: Só adicione se conhecer, pessoalmente. Já havia adicionado muitos que não conhecia pessoalmente, mas não era o caso. Esse eu conhecia pessoalmente. Não sei se não fui reconhecido, mas como era pra eu tentar: tentei. Afinal o conhecia. Outro aviso… Terceiro aviso – lembrei-me de minha mãe: não vou falar de novo. Tentei. Mensagem: você, por sete dias, não poderá adicionar mais ninguém e se alguém disser que não te conhece este tempo poderá ser aumentado. Mais nada. Pronto. Estou eu de castigo.
Aproveito esse tempo para refletir um pouco. Às vezes me meto a embrenhar-me pelos meandros da reflexão.  Ficar de castigo no face não chega a ser algo que me incomoda. Afinal, coagido à obediência, cumpro minha pena até o próximo final de semana. Mas, e isto chega a vias de tirar-me o sono, surgiu deste pequeno e aparentemente insignificante incidente uma questão: daqui a alguns anos – décadas parecem-me já coisa longe para as evoluções da informática – o que será que a máquina estará controlando em nossas vidas? Que penalidades estarão as máquinas me impondo sem dar-me oportunidade para recursos ou contra argumentos?  Afinal o Grande Irmão deixou o mundo da ficção. Ele “zela e observa todos nós”. Tenho medo. Muito medo de que de fato a máquina, em futuro próximo, ou já num presente que ignoro se sobreponha sobre nossas ações, sobre até mesmo nossos pensamentos. Lembro-me dos meus tempos de seminário onde os pecados do pensamento também deveriam ser confessados. E o pior é que estes recebiam as penitências mais contundentes. Voltando ao castigo: Cumprirei este castigo imposto pelo face mas atento aos cochichos que as máquinas já andam fazendo pelas esquinas, de soslaio, de esguelha em nossas casas, nos cantos das escolas, nas sacristias das igrejas. Não temo errar, mas gostaria de poder estar contando com uma possibilidade de mostrar minhas razões, minhas intenções e meu coração. Meu coração ainda não é de lata e não tenho chips implantado em meu cérebro. Vou parar… Meu PC está emitindo um ruído estranho. Não sei decifrar esta mensagem. Desligo. Não quero ser castigado por outro viés da minha ignorância.

Taubaté, SP, 06 de novembro de 2011  

Nota: Foto retirada de: (c) Tomado de http://data1.blog.de

One Response to “7 dias de castigo”

By Guilherme - 11 novembro 2011 Responder

Gilberto, mais uma boa crônica! Você parece que tá tomando o rumo do formato da crônica moderna, e isso é legal. Mas preciso te dizer uma coisa: conheço uma molecada no facebook e nunca, nunca vi alguém ficar de castigo lá. O quase-sexagenário desbancou toda a juventude!
Abração,
Guilherme

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